O setor de bares e restaurantes viverá uma transformação silenciosa, porém profunda. O trabalho intermitente tem se mostrado uma das mais eficazes inovações na gestão de pessoas e na produtividade operacional dos estabelecimentos. Mais do que uma alternativa de contratação, trata-se de uma resposta moderna às novas dinâmicas do trabalho e às necessidades reais do nosso setor.
Uma pesquisa recente do Datafolha revelou que 59% dos brasileiros preferem trabalhar por conta própria a ter um emprego com carteira assinada. Esse dado não pode ser ignorado. Ele reflete uma mudança cultural: o desejo crescente por autonomia, flexibilidade e protagonismo. O modelo intermitente atende a esse desejo sem abrir mão da formalização, garantindo direitos como férias, 13º salário e FGTS.
Nos Estados Unidos, essa lógica já é consolidada. Segundo o relatório State of the Restaurant Industry 2025, da National Restaurant Association, 56% dos trabalhadores do setor atuam sob contratos temporários. A flexibilidade, portanto, não é uma exceção. É uma característica estrutural da atividade.
No Brasil, o trabalho intermitente permite que o profissional organize sua agenda, concilie diferentes fontes de renda e atue conforme sua disponibilidade. Para os estabelecimentos, representa uma revolução na gestão de equipes, pois é possível escalar o profissional certo, no momento certo, para a demanda certa.
Com o apoio de tecnologias como a Inteligência Artificial, já é possível prever, por exemplo, que, em determinado horário, a demanda será por sorvetes e não hambúrgueres e, assim, escalar um colaborador especializado na operação da máquina de sorvete. Ou então, com dados de hábitos de consumo e previsão do tempo, pode-se antever um reforço no atendimento, na cozinha ou no caixa. Isso vale para diversos perfis de negócio, não apenas para o chamado fast-food.
Outro ganho importante está no uso do capital físico. Muitos restaurantes operam apenas seis dias por semana porque a escala tradicional inviabiliza a abertura no sétimo dia. Com o trabalho intermitente, é possível ajustar a equipe de forma flexível, viabilizando a operação contínua e melhorando a experiência do consumidor.
Além disso, o modelo amplia as oportunidades de inclusão no mercado formal, especialmente para jovens, estudantes, mães solo e pessoas em busca de renda complementar. É uma ponte entre o desejo de liberdade do trabalhador e a necessidade de flexibilidade do empregador.
É importante dizer que a modalidade, regulamentada desde a reforma trabalhista de 2017, teve sua constitucionalidade validada pelo STF no fim de 2024. Ou seja, a decisão é recente, ainda não está amplamente implementada, mas há expectativa de que as grandes empresas sejam as primeiras a adotar o modelo de forma mais ampla, criando uma referência para o mercado como um todo.
Na Abrasel, defendemos a adoção e o aperfeiçoamento do modelo. O fortalecimento do trabalho intermitente é uma das ações prioritárias do nosso Plano de Restauração, que propõe medidas para a recuperação e modernização do setor de alimentação fora do lar. O Brasil precisa de soluções que combinem eficiência, inclusão e liberdade. O trabalho intermitente é uma delas e deve ser valorizado como tal.
Paulo Solmucci é presidente da Abrasel
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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