A resposta objetiva e direta é: ninguém. Apesar de serem perto de 450 mil em todo o Brasil, as pequenas mercearias de bairro, sustentação de igual número de famílias que cuidam exclusivamente desse negócio, não têm nenhum programa de apoio e desenvolvimento estruturado que assegure a continuidade do negócio.
O aumento do nível de concentração no varejo, consumo e serviços em âmbito global também se reflete na realidade brasileira por conta de omniconsumidores com maiores e melhores condições de comparar produtos, marcas, preços e locais de compra. O resultante é uma tendência natural de consolidar setores e negócios com quem tem melhores condições de oferecer mais por menos, o que é o conceito básico da equação de valor.
Isso, em boa parte, explica o aumento da participação do atacarejo no setor de alimentos ou das redes de fast-food no self service. Explica também o crescimento dos formatos e canais, como e-commerce e marketplaces no mercado todo, assim como o aumento da presença das operações asiáticas de e-commerce por aqui.
É um caminho sem volta.
De forma direta e objetiva, a maior parte da sobrevivência do modelo das pequenas mercearias decorre da informalidade presente nessas operações, que as mantém mais ou menos competitivas em preços e o fato do negócio ser tocado pelas famílias, muitas vezes operando sete dias por semana e com horários estendidos, no conceito mais básico de conveniência.
Para muitos fornecedores de produtos e marcas, esse canal tem importância estratégica pelo número de pontos de venda envolvidos e por sua dispersão e pulverização geográfica.
A menos que se pensem, criem e sejam desenvolvidas alternativas para equilibrar esse jogo, haverá a tendência de desaparecimento desses operadores com todos os impactos estratégicos, comerciais e sociais decorrentes.
É importante que essas alternativas sejam criadas, de preferência, pela via de mercado, evitando programas oficiais que signifiquem mais custos para serem repassados para a sociedade.
E não é preciso reinventar a roda: existem modelos no mundo que podem ser adaptados por aqui e que já se mostraram soluções de mercado em outros países para equilibrar o jogo.
Os exemplos externos que podem inspirar
Na Coreia, são mais de 18 mil lojas da Convenience for You, com o mesmo conceito de negócios tocados por famílias e operando com uma mesma marca, proposta de valor e serviços associados.
Na China, o caso mais marcante é a rede Ling Shou Tong (LST), que foi lançada em 2015 e, até 2018, conectou perto de um milhão de lojas. Patrocinada pelo Alibaba, opera com sua proposta básica de criar melhores condições competitivas e está integrada com Alipay, Taobao e Tmall, do mesmo grupo.
Apesar de ter suspendido a expansão da rede no início de 2024 o modelo está sendo reposicionado e inclui novas e mais avançadas ferramentas no seu propósito de expansão futura.
Modelos similares foram desenvolvidos também na Índia, como Samrudhi / Sahakar Bharati, Gujco Mart, Kerala Grocers’ Collective (KGC) e a RetailX, esta integrando mais de 10.000 pequenos varejistas, incluindo também lojas de mercearia, além de outras, como Kendriya Bhandar ou Safal.
Na Indonésia, com a mesma ideia, existe a 212 Mart, que opera pelos princípios islâmicos desde 2017, a Indomaret, de conveniência com perto de 22 mil unidades; e Alfamart, com pouco mais de 18 mil lojas.
Em alguns casos, esses conceitos foram desenvolvidos com apoio governamental, como na Índia ou Indonésia, ou apenas como iniciativas do setor privado. Todos eles agregam pequenos independentes para viabilizar sobrevivência de seus negócios.
A inspiração aqui mesmo no Brasil
Existem modelos que podem servir também de inspiração no Brasil, como a rede Smart, patrocinada pelo atacadista Martins lançada no início dos anos 2000 e que foi desenvolvida como alternativa estratégica para ampliação de negócios e a participação de mercado no segmento de supermercados independentes de pequeno e médio portes.
Além da marca comum a Smart oferece apoio de treinamento, programas de desenvolvimento profissional e uma plataforma de serviços financeiros pelo Tribanco, do mesmo grupo.
Em outra vertente, a D Paschoal de revenda, de pneus e serviços automotivos, desenvolveu modelos de integração de pequenas borracharias independentes, oferecendo treinamento, acesso a produtos, plataforma de gestão e logística, e, dessa forma, permite converter um pequeno borracheiro, em mercados menores, num competidor mais preparado para sobreviver e se desenvolver localmente.
Redes associativas
Outra vertente possível de integração acontece na forma do desenvolvimento de grupos reunindo operadores de pequenas e médias redes, como no setor farmácias, com a Abrafarma, que reúne 8.500 farmácias com 26 redes, ou a Febrafarma, com 69 redes, reunindo 17.600 farmácias.
No próprio setor de supermercados, existem também modelos associativos, como a Redeconomia, com 140 lojas afiliadas, ou a Redecen, com 17 redes e perto de 800 pontos de venda.
Em outra dimensão, opera a Rede Brasil, com 16 negócios associados e todos eles já relevantes em âmbito regional e que reúne perto de 500 lojas no total.
A própria Apas desenvolveu a rede Supervizinho de integração.
Nesses casos, a principal diferença dos programas é a integração para compras em conjunto de produtos, sistemas e insumos.
Esses modelos operam e prosperam criando alternativas para sobrevivência e continuidade de operadores independentes no setor ante à tendência de concentração das maiores e mais estruturadas redes nacionais.
Nesses casos, a principal diferença dos programas é a integração para compras conjuntas de produtos, sistemas e insumos.
O caminho do mercado para uma alternativa sustentável
No passado, algumas iniciativas isoladas foram desenvolvidas visando essa possível agregação e, no setor de mercearias, foi importante no começo da pandemia, uma liderada pelos principais fornecedores e marcas, que se uniram para criar condições de sobrevivência dos pequenos negócios.
Mais tarde, outra proposta foi desenvolvida com a ideia de uma ambiciosa integração logística para criar opções mais competitivas para esses operadores independentes.
No contexto atual, é fundamental repensar alternativas e propostas, pela via de mercado, que sejam modulares e escaláveis, podendo evoluir e contemplar as diferenças regionais, temporais e de agregação desses independentes.
É bom para o mercado, para os fornecedores, para as famílias envolvidas e, principalmente, para os consumidores e para o País.
Vale a reflexão.
Nota: Na 10ª edição do Latam Retail Show, de 16 a 18 de setembro, em São Paulo, haverá um painel dedicado a inspirar modelos de agregação e integração para o setor e a apresentação de pesquisa inédita sobre o setor das pequenas mercearias desenvolvida pela Troiano Branding especialmente para o evento.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
Imagem: Envato

