Há anos pergunto a mim mesma e aos meus pares: estamos realmente preparando nossos restaurantes para 2030, ou estamos apenas usando a tecnologia para resolver os problemas de ontem? Essa questão não é retórica, é o cerne da reinvenção que o setor de foodservice exige neste exato momento.
A verdade é que o Restaurante do Futuro não será construído pela digitalização do presente, mas pela reinvenção de sua essência. E, como sempre defendo, a essência de todo restaurante é e sempre será a hospitalidade.
Estamos imersos na Economia da Experiência. Os consumidores de hoje buscam mais do que uma boa refeição. Eles anseiam por vivências sensoriais, histórias e conexões que as marcas possam amplificar.
A Revolução das Consciências dita que a sustentabilidade, o impacto social e a autenticidade lideram as escolhas. Diante disso, nossa operação precisa ser redefinida, e a tecnologia, ao invés de ser um fim em si mesma, deve ser a grande facilitadora dessa eficiência e, acima de tudo, da hospitalidade.
Sim, os números falam por si: uma pesquisa da Deloitte aponta que 83% dos funcionários querem mais tecnologia para se libertar de tarefas básicas e 60% dos clientes preferem a interação digital. Isso não significa robotizar o atendimento, mas sim otimizar processos para que a equipe possa focar no que realmente importa: o toque humano, a atenção genuína, a personalização extrema e as experiências fluídas.
Tecnologias como automação básica, chatbots, precificação dinâmica, robôs inteligentes e análise de dados para insights do cliente – tanto no back quanto no front of the house – são ferramentas poderosas. Mas elas só alcançam seu potencial máximo quando servem à missão de aprofundar o relacionamento com o cliente.
Porém, não podemos ignorar o elefante na sala: a reconfiguração do trabalho e a alarmante crise de mão de obra. O setor de hospitalidade globalmente enfrenta um turnover que varia de 30% a 70% na hotelaria e restaurantes. E assustadores 200% ao ano no fast-food. Por que isso acontece? Pesquisas promovidas pela Deloitte, National Restaurant US e Glassdoor nos dão pistas: 30% dos funcionários não planejam ficar mais de dois anos na área e 60% não veem clareza nas promoções dos profissionais.
Outro fator é a segurança (especialmente na saída do trabalho noturno) e o impacto na vida social devido aos ajustes de turno gerados pelo absenteísmo e quadros incompletos. Soma-se a isso o comportamento inadequado de alguns clientes e temos um cenário altamente desafiador para os empresários e líderes do setor.
Então, como reverter essa maré? A resposta está em um questionamento simples, mas profundo que os colaboradores se fazem: “Por que eu trabalho aqui?”. A chave para a retenção está no valor percebido. Se um funcionário se sente valorizado, treinado, bem cuidado, e encontra flexibilidade e reconhecimento, ele não só fica, mas se sente feliz, equilibrado e, crucialmente, parte integrante do negócio. É uma via de mão dupla que exige mais do que um salário. Exige um ambiente de trabalho que promova bem-estar e propósito.
Por fim e talvez a pergunta mais fundamental: por que os clientes continuarão indo aos restaurantes? A resposta reside em uma palavra japonesa que tanto me inspira: Omotenashi. Não é apenas serviço, é a hospitalidade que vai além e busca antecipar as necessidades do cliente com um coração genuíno, criando uma conexão humana que nenhuma digitalização pode substituir.
As três mudanças são constantes no foodservice: no comportamento dos consumidores, nas formas de concorrência e no cenário de tecnologias e ferramentas. No entanto, o que nos torna verdadeiramente únicos e perenes é a conexão humana genuína e o impacto transformador da hospitalidade.
Que em 2030, e muito além, saibamos que a essência do nosso negócio está no calor humano que servimos à mesa.
Cristina Souza é CEO da Gouvêa Foodservice.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
Imagem: Envato

