As empresas brasileiras investem bilhões em marketing todos os anos. Mas quantas dessas promessas resistem ao primeiro encontro físico com o cliente? No início do e-commerce no Brasil, a maior barreira era quase caricata: o medo de receber “um tijolo pelo Correio” no lugar do produto comprado. Hoje esse temor perdeu força, e o consumidor já compra online com naturalidade. Mas a prova de fogo mudou de endereço: agora ela acontece no espaço físico. O feed, o site ou o aplicativo podem encantar à distância, mas tudo se confirma ou se contradiz quando o cliente cruza a porta da loja e percebe se o discurso cabe, de fato, no espaço.
Vivemos a era da saturação narrativa. Propósitos são anunciados em campanhas imponentes; slogans prometem impacto positivo; e relatórios corporativos descrevem compromissos ambiciosos. Mas o consumidor se tornou um especialista em identificar a distância entre palavra e prática. Como lembra Alain de Botton, ideias só ganham relevância quando descem ao cotidiano. O cliente não mede a filosofia de uma marca em conceitos abstratos, mas no gesto de um colaborador, no tempo de espera para ser atendido, no cuidado de um provador bem iluminado. O dilema não é a falta de informação; é excesso de contradições.
E é aí que o design mostra sua verdadeira função. Ele não é detalhe decorativo, nem adorno final: é a camada tangível em que a promessa se confirma ou se dissolve. Uma empresa pode falar de vitalidade em suas campanhas, mas entregar um ambiente sem energia alguma. Pode se apresentar como cuidadora e expor as pessoas a um espaço hostil. A incoerência, nesses casos, fala mais alto do que qualquer mídia de massa. Martin Lindstrom lembra que não são os grandes anúncios, mas, sim, os pequenos sinais que constroem credibilidade. No varejo, esse princípio é brutalmente verdadeiro: o detalhe esquecido pode custar mais caro do que a campanha milionária.
O espaço fala, e o consumidor escuta. A legitimidade não nasce da perfeição artificial, mas da verdade imperfeita — aquela que se mostra autêntica, mesmo que simples. É o que a tradição estética japonesa chama de wabi-sabi: a beleza não está no excesso de polimento, mas no que carrega as marcas de vida. No varejo, isso significa que uma loja honesta, ainda que despojada, transmite mais confiança do que um espaço impecável, mas vazio de sentido. O risco está justamente aí: investir milhões em campanhas sobre felicidade e receber o cliente em uma loja onde ninguém sorri é como contratar uma orquestra sinfônica para desafinar já no primeiro acorde.
Cada metro quadrado de loja funciona como um tribunal silencioso. O corredor mal planejado, que faz o cliente tropeçar; a sinalização confusa, que transforma a visita em um labirinto; e a música em volume errado, que irrita em vez de acolher. Todos esses detalhes são vereditos. Eles confirmam ou desmentem, em silêncio, aquilo que a marca declarou antes. Não é apenas estética, tampouco branding isolado; é coerência. E coerência, hoje, pode ser a linha que separa permanência de abandono. Um estudo da Deloitte mostra que 39% dos consumidores abandonam uma marca após uma única experiência negativa. Não é retórica: é número.
Essa percepção se amplia quando entendemos que a loja não é apenas um ponto de vendas, mas também um ponto de encontro. Pine & Gilmore já argumentavam que vivemos na economia da experiência, em que consumidores não compram apenas produtos, mas momentos que os marcam. Nesse sentido, o design se torna o fio condutor que orquestra emoções: ele decide se o espaço vai reforçar a promessa de marca ou se vai expô-la como um teatro vazio.
O futuro, no entanto, traz uma nova camada de desafio. Se hoje o espaço físico é o lugar onde as promessas são testadas, em breve, ele será também um campo de negociação entre algoritmos e humanidade. A Inteligência Artificial pode ajudar a prever fluxos, personalizar ofertas e até sugerir layouts mais eficientes, mas a credibilidade continuará ancorada em algo que nenhuma máquina conseguirá entregar sozinha: a percepção de verdade, de cuidado humano, de coerência sensível. O algoritmo pode organizar, mas é a experiência que valida.
No fim, consistência não exige perfeição; exige honestidade. Um espaço pode ser simples, até imperfeito, mas precisa ser verdadeiro. O consumidor não condena falhas ocasionais. O que ele não perdoa é o jogo duplo, a distância entre o discurso e a prática. Porque quando esse elo se quebra, nenhuma campanha consegue reparar. Talvez essa seja, afinal, a essência da arquitetura da confiança: menos espetáculo e mais verdade.
Renato Fregnani é fundador da Freg Design e presidente do Retail Design Institute Brasil.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
Imagens: Envato


