Já comentamos que nenhum estrategista do governo brasileiro teria sido tão hábil para criar algo tão danoso, equivocado, inoportuno e desproporcional do que o que foi implantado por Donald Trump. E que acabou beneficiando tanto o governo neste momento.
Errou no alvo, na dosagem e no momento e vai colher as consequências de seus equívocos ao longo do tempo.
Só que, antes disso, vai impor danos colaterais relevantes ao Brasil e igualmente aos Estados Unidos.
Danos ao Brasil envolvem a busca de alternativas para colocar os produtos brasileiros que podem ser sobretaxados. Esses produtos têm mercados em outros países, porém o processo de redirecionar, negociar e deslocar vai gerar prejuízos e desfocar empresas e empresários num momento em que toda a atenção deveria ser concentrada na busca de maior eficiência e produtividade. Em especial por conta da já presente retração do consumo no mercado interno.
Outro dano é imiscuir-se em tema de política e justiça interna envolvendo julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, que deve ser conduzido de forma isenta, levando em conta exclusivamente fatos e questões legais, sem politização.
É bem verdade que isso é diferente do que temos acompanhado, mas cabe à sociedade brasileira, seus governantes e suas lideranças se posicionarem. E não qualquer outro líder de outra nação.
Outra consequência envolve aproximar o Brasil ainda mais dos países da Ásia e do Pacífico, movimento que já acontecia e vai se acelerar. Lembrando que China já é o maior parceiro comercial brasileiro, com uma balança totalmente favorável ao Brasil.
Ainda conspira contra a criação de um arco potencial de alianças no mundo ocidental para melhor equilíbrio no cenário econômico e político cada vez mais polarizado no plano global.
De quebra, gerou um cenário interno de realinhamento em que, de forma correta, o governo adota o posicionamento em defesa dos interesses nacionais e não intromissão. E se tornou uma boia de salvação para um governo que vivia evidente e relevante perda de popularidade.
Ao fazer isso, torna-se porta-voz momentâneo do sentimento da população e aproveita para empurrar goela abaixo assuntos envolvendo aumento dos gastos públicos e de salários dos funcionários governamentais, além de aumento da carga tributária – desviando o foco de temas fundamentais de serem atacados, como desvios na previdência, desequilíbrio fiscal, aumento desenfreado das apostas nas bets, insegurança crescente e equívocos na finalidade, controle e uso dos programas sociais.
Impactos previsíveis no varejo norte-americano
Ainda que seja tema que diz mais respeito aos Estados Unidos e considerando que 78% das exportações brasileiras para o mercado norte-americano são de produtos industriais, pode-se afirmar que, mantida a taxação, haverá aumento importante nessas categoriais no preço praticado para absorver no todo ou em parte essa mudança na tarifação.
Na área do agronegócio, foram US$ 12,1 bilhões exportados em 2024, envolvendo café, suco de laranja, carne, frutas e outros produtos que chegarão mais caros aos consumidores, pois não se conseguirá absorver esse aumento no custo.
De qualquer forma, serão buscadas alternativas de fornecimento em termos globais, o que também não é simples, fácil e possível de acontecer em espaço curto de tempo. Ainda mais considerando as condições altamente competitivas dos produtos exportados pelo Brasil nesses setores.
Numa economia que vem enfrentando problemas com inflação de preços no varejo, será um elemento a mais de pressão e poderá conspirar contra a imagem do próprio governo norte-americano.
Para os varejistas dos Estados Unidos, será uma nova questão, em especial quando as margens já estão bem pressionadas.
Um caminho possível é a busca de aumento das participações de produtos de marca própria, área em que existe uma eventual possibilidade de absorção de ao menos parte do aumento de custos.
Potenciais impactos no varejo brasileiro
De curto, curtíssimo prazo, na tentativa de redirecionar para o mercado interno parte do que estava previsto para ser exportado poderemos ter uma pequena redução do preço dos produtos destinados ao mercado externo.
Se acontecer, será algo efêmero e limitado, e apenas para evitar a eventual perda de produtos com ciclo de vida mais curto. Nada mais do que isso.
Como resultado, poderá haver aumento da oferta desses produtos, em especial do agronegócio, no mercado interno com redução de preço.
Não podemos esquecer que os níveis de oferta de produtos para o mercado interno já estão configurados há algum tempo e no momento temos um claro movimento de retração de demanda em alimentos por conta da inflação de preços no consumo interno e externo ao lar. Ou seja, a margem para absorção de curto prazo desses produtos é muito limitada.
Em outras categorias envolvendo bens industriais, o comportamento da demanda dá mostras de retração de forma geral e talvez só com exceção das categorias de saúde, beleza e bem-estar.
A combinação das elevadas taxas de juros e seu impacto no crédito e no consumo com o menor crescimento da renda no setor privado, mais a elevada inadimplência e a débil confiança do consumidor, provocam o efeito esperado de menor expansão do comércio e do varejo. Isso já dá mostras de acontecer em todo o País. Essa situação limita as possibilidades de absorção do que não será exportado, seja como insumo, seja como produto na ponta do consumo.
Para reflexão final
A história irá registrar esse momento como mais um exemplo do presidente da maior economia do mundo à época metendo os pés pelas mãos, criando conflitos desnecessários, afastando parceiros estratégicos e reduzindo de forma dramática o protagonismo político, econômico e financeiro dos Estados Unidos.
E acelerando a expansão econômica, política e tecnológica da China no mundo. Assim como reduzindo o tempo em que a maior economia no critério PPP (Paridade de Poder de Compra) da China deverá se tornar a maior sob qualquer critério.
Em especial se esse movimento acelerar a perda de relevância e cautela com o uso do dólar como moeda básica nas transações transnacionais.
Sem dúvida, uma obra única no seu poder destruidor.
A história confirmará.
Nota: Durante o Latam Retail Show, de 16 a 18 de setembro, em São Paulo, haverá a realização simultânea com a NRF Europa de um painel sobre impactos das taxações no varejo do mundo envolvendo as visões europeia, norte-americana e asiática. Do Brasil, haverá a especial participação de Fabio Faccio, CEO da Renner.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
Imagem: Envato

