Vivemos um turbilhão de mudanças estruturais, econômicas, políticas, tecnológicas e sociais, em velocidade exponenciada pela Inteligência Artificial.
É difícil imaginar que, em algum outro momento, tenha havido tantas mudanças tão rápidas. É fácil perceber que esse é o novo normal,que poderá ser ainda mais dinâmico. Tudo é mutável e mutante, e não existe o “pare o mundo que eu quero descer”.
Em algum momento, o varejo foi sintetizado como retail is detail e era caracterizado pela multiplicidade de processos que se repetiam. E o sucesso no negócio vinha do foco na essência da operação e da excelência na execução.
As transformações no ambiente e as mutações estruturais, com implicações nas mudanças de hábitos, preferências e atitudes impostos por esse novo normal, fazem emergir o RaaS (retail as a service), combinando vendas de produtos integrados com serviços, soluções, valor e experiência. Tudo junto e, eventualmente, combinado.
No Walmart, a parcela de serviços tem crescido de forma relevante, incluindo oi membership, o Connect (negócio de retail media), serviços financeiros, próprios e com parcerias, e, mais recentemente, logística para terceiros.
A AWS, conjunto de negócios orientados para serviços da Amazon, é significativamente mais rentável do que as operações de varejo, tanto digitais quanto físicas. Sobre uma receita total da Amazon de US$ 143,3 bilhões, a AWS responde por aproximadamente 17,5%, porém representa perto de 60% do lucro operacional total.
Banking as a service pelo varejo
As combinações de serviços financeiros com diferentes categorias de produtos, que se expandem nos diferentes canais, são parte desse novo normal.
Por aqui, o Carrefour tem 55% do seu lucro vindo das atividades financeiras, por meio do Banco Carrefour. É varejo operando lojas em diferentes formatos, categorias e canais, que também oferece serviços financeiros, ou um banco, que também opera o varejo?
A mesma questão vale para o Magalu, apenas destacando que suas operações financeiras, integradas na Luizacred, são desenvolvidas em sociedade com Itaú.
As operações da frente Mercado Pago já representam perto de 40% do negócio no Mercado Livre.
Na Renner, a Realize, seu braço financeiro, teve resultado de R$ 190 milhões no primeiro trimestre de 2025, o que representou 32,6% do total dos negócios da corporação.
Midway é um banco que opera as lojas Riachuelo, Carter, Casa Riachuelo e a recente Fanlab, de forma integrada com a indústria Guararapes, ou o grupo Guararapes-Riachuelo também oferece serviços financeiros por meio do seu braço Midway?
A comoditização dos negócios puramente de varejo, com comparação direta dos preços de produtos e marcas, gerando o protagonismo do valor, contribui para o processo de crescente incorporação de serviços, experiência e customização, a fim de reduzir a pressão sobre a rentabilidade.
E quando fornecedores e marcas incorporam serviços
No futuro, não muito distante, a Unilever continuará sendo uma indústria de marcas de consumo que tem um braço de varejo? Ou será que negócios como Omo, que já conta com 3.500 lojas no Brasil, de serviços de lavanderia com sabão em pó Omo, estarão integradas à fabricação dos produtos?
E na Nestlé, quanto tempo levará para que as lojas Ninho, Kopenhagen, Kit Kat e muitas outras com marcas proprietárias, superem o faturamento e os resultados do negócio industrial?
E, no caso da Sherwin-Williams, com suas 4.500 lojas nos Estados Unidos vendendo serviços diversos, incluindo pintura, esses serviços estão integrados com a venda pura de tintas?
Nos alimentos, o futuro as a service já chegou
Nos Estados Unidos, 59% do total das despesas com consumo de alimentos já acontece pelo foodservice, conceito amplo que define alimentos preparados fora do lar, que é operado por redes de fast-food, restaurantes, hotéis, supermercados, supercenters, bares, delivery, conveniência, catering e outras muitas opções.
Mas a dimensão da mudança nos alimentos é clara e irreversível. A compra de alimentos para preparo em casa deixou de ser o negócio predominante.
Essa evolução acontece em todo o mundo e também no Brasil com o setor de foodservice crescendo em importância, porém com peculiaridades próprias envolvendo o menor protagonismo dos setores de supermercados, hipers e conveniência no conjunto dos negócios.
As a service representa o desafio e a oportunidade do futuro
Varejo e comércio são serviços na sua essência. Mas a diferença é que a compra direta de produtos, em especial em algumas categorias, perde relevância ao longo do tempo e emerge, como oportunidade ou ameaça, o repensar dos negócios pela incorporação de serviços integrados, próprios ou em parcerias.
Poderão ser as corporações financeiras investindo no varejo que avançarão para novos negócios; ou os fornecedores e produtores de marcas e produtos operando diretamente com o consumidor; ou mesmo corporações nascidas no varejo, como Walmart, Amazon, Carrefour, Renner, Riachuelo e muitas outras, expandindo seu horizonte e integrando serviços, em particular financeiros, em sua atuação.
Vale a reflexão.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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