Mesmo com o desemprego no menor patamar histórico e a massa salarial crescendo, o consumo real de produtos e serviços no Brasil ainda não deslanchou. Na prática, muitas empresas (se não a maioria delas) têm visto a receita aumentar mais pelo reajuste de preços do que pelo aumento no volume de vendas, mostrando que, apesar de alguns indicadores positivos, o bolso das famílias continua apertado.
A pressão no orçamento familiar continua forte e se acumula desde a pandemia, com boa parte da população sem espaço para despesas discricionárias, pois todo o orçamento é consumido por contas básicas e de primeira necessidade, limitando o consumo de bens e serviços não essenciais, travando o crescimento de alguns setores e mantendo o ritmo de crescimento baixo.
Visão sobre o orçamento familiar
Os dados mais recentes da Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), do IBGE, ainda são de 2017-2018, mas ajudam a entender o cenário. Em média, as famílias brasileiras gastam 72% da sua renda em habitação, alimentação e transporte, que são apenas uma parte dos gastos essenciais de uma família.

O IBGE está realizando uma nova POF agora, e os dados devem sair em 2026. A expectativa é que, com a alta da inflação nos últimos anos, especialmente em alimentos e energia, o peso dos gastos essenciais seja ainda maior.
Impactos no consumo
Nas famílias de renda mais baixa, qualquer aumento, mesmo que pequeno, na inflação de alimentos ou transporte, leva a cortes imediatos em outras despesas: lazer, vestuário, reformas, serviços não essenciais, compras de ticket médio alto (eletrônicos, móveis), entre outros, que são os primeiros a sair da lista de prioridades.
Dessa forma, quando a maior parte da renda está comprometida com itens essenciais, qualquer reajuste nesses produtos ou serviços reduz diretamente as despesas discricionárias, o valor disponível para gastar com lazer, roupas, tecnologia ou outros bens não básicos.
Nas classes de renda mais alta, o efeito é menor, e os ajustes costumam ser mais sutis: troca de marcas, menor frequência de viagens ou adiamento da compra de bens duráveis. Ainda assim, mesmo nesse grupo, a percepção de perda de poder de compra pesa nas decisões e molda o comportamento de consumo.
A inadimplência como termômetro
A inadimplência é um reflexo direto dessa pressão no orçamento. Segundo dados da Serasa, em junho de 2025, havia 77,8 milhões de brasileiros com contas em atraso, representando um aumento de 6,4 milhões de pessoas em dois anos.

Se considerarmos que o Brasil tem cerca de 163 milhões de pessoas com mais de 16 anos, significa que 48% da população adulta está inadimplente. De forma simples e simplória, mas que traz reflexões importantes, podemos pensar que quase metade das pessoas que poderiam estar consumindo estão fora do mercado consumidor, uma vez que mais de 100% do orçamento já está comprometido.
O aumento recente da inadimplência também chama a atenção. São 6,4 milhões de novos inadimplentes, representam cerca de 4% da população adulta que, na prática, deixou de consumir ou reduziu drasticamente suas compras.
Vale mencionar a grande discrepância desses números por Estado e como isso mostra as diversas oportunidades que existem ao não analisarmos tudo pelas médias de mercado. No Distrito Federal, por exemplo, temos 61% de inadimplentes, e no Rio de Janeiro são 57%. Já em Santa Catarina são 38% e no Rio Grande do Sul, 40%.

O que esperar daqui para frente
A expectativa para o segundo semestre é de uma inflação mais controlada, mas a pressão sobre os orçamentos deve seguir na trajetória atual, com potencial mais claro de melhoria a partir de 2026, com um cenário de inflação mais estável e o começo da queda dos juros.
Vale lembrar que em 2026, principalmente no segundo e terceiro trimestres, o ambiente econômico será fortemente influenciado pelas expectativas em torno das eleições.
Outro ponto importante para destacar e mencionado aqui, é o cuidado que temos que ter: ao analisarmos os dados apenas pelas médias, corremos o risco de perder oportunidades ao não identificarmos bolsões de crescimento em realidades econômicas muito distintas.
Eduardo Yamashita é COO da Gouvêa Ecosystem.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
Imagens: Envato e Reprodução

