Vtex Day 2025, São Paulo, tarde de 2 de junho. No palco principal apareceram duas pessoas que parecem viver em rota de colisão com o caos: Cristina Junqueira, cofundadora do Nubank, e Shane Parrish, criador do podcast The Knowledge Project. Eles se reuniram para responder a uma pergunta simples: como tomar decisões melhores quando tudo muda o tempo todo?
Se você é dono de loja, profissional de marketing ou apenas alguém tentando equilibrar trabalho e vida pessoal, já sentiu na pele esse turbilhão. A cada notificação surge uma escolha: “faço agora ou deixo para depois?”, “entro nesse projeto ou recuso?”, “testo a nova ferramenta de IA ou espero ela ficar madura?” Em 2025, com a Inteligência Artificial avançando em ritmo de sprint e a concorrência a um clique de distância, decidir rápido e bem deixou de ser vantagem; virou questão de sobrevivência.
Cristina e Shane trouxeram experiências bem diferentes, mas convergiram em um ponto: nossos instintos precisam de ajuda. Shane contou a história de um amigo que criou a regra “não digo sim pelo telefone”. Parece algo pequeno, mas poupa tempo, evita promessas que viram peso e abre espaço para pensar antes de responder. Esse ajuste mostra que clareza não nasce de grandes teorias, e sim de hábitos simples aplicados dia após dia.
Ao longo deste artigo você vai descobrir outras regras, entender como posicionar seu negócio no “modo fácil” e ver por que foco virou moeda rara na era da IA. Por enquanto, guarde apenas uma mensagem: quanto mais barulho ao redor, maior o valor de uma decisão lúcida. Nos próximos tópicos, veremos como transformar essa ideia em prática.
Da mente ao hábito: o conceito de mental mastery
Imagine que seu cérebro tenha dois motoristas. O primeiro é o piloto automático, rápido e impulsivo. Ele diz “sim” antes de pensar, compra no impulso e abre o celular a cada notificação. O segundo é o motorista analítico, mais lento, capaz de frear, olhar o mapa e escolher a melhor rota. Mental mastery é treinar o piloto automático para que ele aja como um aliado sem precisar acionar sempre o modo análise.
Shane Parrish aprendeu isso na prática. Durante anos, ele acreditou que ia à academia três vezes por semana. Ao conferir o registro de presenças, percebeu que a média real era pouco mais de uma vez. Em vez de confiar na memória, criou uma regra: “eu treino todos os dias”. A duração varia, pode ser corrida curta ou musculação completa, mas não existe a pergunta “vou ou não vou?”, e sim “onde encaixo o treino?”. Depois de seis anos, perdeu apenas cinco dias. O hábito virou reflexo.
Cristina Junqueira adotou uma lógica parecida na gestão de tempo. A cada três ou quatro meses, zera todos os compromissos futuros na agenda. Em seguida, recoloca somente o que contribui de verdade para as metas do trimestre. Essa faxina periódica impede que reuniões desnecessárias tomem conta da semana e devolve clareza sobre o que é prioritário.
O ponto em comum nas duas histórias é simples: cada regra treina o cérebro a decidir antes da tentação aparecer. Quando o gatilho surge, o piloto automático já sabe o que fazer. Não é preciso força de vontade infinita, apenas um “se acontecer X, então faço Y” definido com antecedência.
Quer começar? Escolha um comportamento que gostaria de tornar padrão, observe por uma semana e registre quantas vezes ele acontece. Depois, crie uma regra curta, algo tão claro que não deixe espaço para negociação. Nos próximos dias, mediremos os resultados juntos na seção seguinte, onde reuniremos as melhores regras de Cristina e Shane em formato de lista prática.
Regras simples que mudam tudo
- Espere 24 horas antes de aceitar convites: Shane viu que basta responder “confirmo amanhã” para ganhar distância emocional. No dia seguinte, fica fácil dizer “infelizmente, não posso” sem culpa.
- Escolha um hábito diário que não abre negociação: Pode ser alongar cinco minutos logo ao acordar. A vitória é eliminar a pergunta “vou ou não vou?” A única dúvida passa a ser “onde encaixo o hábito neste dia?”
- Zere a agenda a cada trimestre: Cristina limpa todos os compromissos futuros e recoloca só o que serve às metas atuais. O resultado é uma semana mais leve e focada.
- Reserve o domingo para pôr a vida em “modo fácil”: A família de Shane usa a tarde para lavar roupas, planejar refeições e separar material escolar. Segunda-feira começa sem correria.
- Defina um dono por decisão, nunca um comitê: Quando só uma pessoa assina a escolha, a responsabilidade e velocidade aumentam. Se der certo, ela recebe o crédito; se der errado, aprende mais rápido.
- Em reuniões, fale apenas o que os outros ainda não sabem: Regra criada por Shane para reduzir conversa vazia. Cada participante deve levar algo novo ou fica em silêncio. As reuniões duram menos e produzem mais.
- Escolha uma dessas regras e experimente durante uma semana. No próximo segmento veremos como posicionar seu negócio para operar no “modo fácil” antes mesmo que as decisões difíceis apareçam.
Posicionamento e easy mode: jogando para ganhar
Shane gosta de dizer que “todo gênio parece ainda mais inteligente quando começa a partida no modo fácil”. O termo posição define exatamente isso: construir o cenário antes do jogo começar para que, aconteça o que acontecer, você não seja empurrado para escolhas ruins.
O exemplo favorito dele vem de Berkshire Hathaway. A companhia guarda uma montanha de dinheiro e só investe quando as condições são favoráveis. Se a economia acelera, ela já está bem colocada. Se desacelera, tem caixa para comprar pechinchas. Warren Buffett chama essa folga de “poder para dizer não” e garante que evitou incontáveis erros por não precisar agir sob pressão.
Em casa, Shane aplica a mesma lógica. Quando analisou a rotina do filho que “fez o melhor” numa prova sem ter estudado, percebeu que o menino jogava no modo difícil. Faltava preparação. Agora, na semana do exame, dormir cedo, revisar anotações e separar o material no domingo viraram regra. Chega o dia da prova e tudo está pronto: easy mode ativado.
Pequenas e médias empresas podem adotar o mesmo pensamento. Primeiro, criam um colchão de caixa equivalente a alguns meses de custos fixos. Depois, documentam decisões-chave para que não se percam em reuniões intermináveis quando surgirem imprevistos. Por fim, mantêm contatos alternativos de fornecedores, evitando paralisia se um elo da cadeia falhar. Quando o mercado oscila, a loja não corre atrás do prejuízo; ela escolhe com calma.
Posicionar-se bem não elimina o risco, mas muda o seu papel na história. Em vez de reagir correndo, você decide no seu tempo. No tópico seguinte, veremos como a Inteligência Artificial, ferramentas de gestão e práticas de marketing digital ajudam a colocar esse easy mode em operação diária, deixando mais energia livre para crescer.
Foco na era da IA: do trabalho ao varejo online
Easy mode fica ainda mais fácil quando a tecnologia trabalha nos bastidores. Cristina contou que, no Nubank, a meta é ser “nativa em IA”, ou seja, pensar com a ferramenta desde o primeiro rascunho de qualquer tarefa. Quem chega novo já aprende a conversar com os robôs do mesmo jeito que conversa com colegas de equipe. Não é moda, é idioma.
Pense na rotina de um pequeno e-commerce de moda. Antes de adotar IA cada decisão parece um incêndio. Há mensagens de clientes, estoque desatualizado, campanhas atrasadas.
A automação libera tempo, mas foco ainda pode escapar por causa do barulho digital. Vale combinar IA com três boas práticas de marketing. Primeiro, trate o SEO como sinalização de loja na rua. Coloque a palavra principal no título do produto, na descrição e no endereço da página, para que o Google entenda rápido o que você vende.
Segundo, transforme as redes sociais em vitrine dinâmica. Vídeos curtos no Instagram Reels mostram bastidores da peça e fazem a audiência quase sentir o tecido pelo toque da tela. Terceiro, use WhatsApp como canal de venda direta. Ao segmentar contatos por interesse, o cliente recebe apenas ofertas relevantes, reduzindo o risco de ser bloqueado como spam.
A mesma disciplina que limpa a agenda ajuda a conter distrações tecnológicas. Separo meia hora pela manhã para checar dashboards de IA, respondo mensagens em lote e depois fecho as abas. O objetivo é simples: menos alternância de tarefas, mais tempo para criar valor.
Pense na rotina de um pequeno e-commerce de moda. Antes de adotar IA, cada decisão parece um incêndio. Há mensagens de clientes, estoque desatualizado, campanhas atrasadas.
Com tecnologia cuidando do operacional, sobra energia para a gente cuidar de gente. No próximo capítulo, veremos como líderes aplicam esse foco às equipes e até à educação dos filhos, formando culturas que resistem ao caos.
Liderança que forma gente boa: lições de paternidade e cultura
Cristina Junqueira chama a própria rotina com quatro filhas de extreme parenting e garante que ali aprendeu tanto sobre gestão quanto na sala de reuniões. Quando ela e o marido decidiram cozinhar todas as papinhas dos bebês, descobriram o poder da presença: nenhum slide convence tanto quanto estar ao lado de quem precisa de você. Shane Parrish viveu algo semelhante ao colocar o filho em uma escola onde ninguém falava sua língua. Durante três meses, o garoto chorou todas as noites, mas, ao fim do semestre, voltou dizendo que aquela era a melhor escola da vida dele. A lição é clara: apoio firme, mais desafio na medida certa, geram crescimento.
Dentro de uma empresa, o princípio não muda. Equipes florescem quando sentem que pertencem a algo maior do que uma planilha de metas. Pense nas pessoas que exibem o cartão roxo do Nubank com orgulho ou na plateia do Vtex Day gritando por um boné “Foca no Seu”. Esse vínculo emocional é a maior barreira contra a fuga de talentos, pois ninguém abandona fácil a tribo que lhe dá identidade.
Criar essa cultura não exige cantina gourmet nem orçamento de multinacional. Um breve check-in na segunda-feira para perguntar “como você está” antes dos números, um reconhecimento público quando alguém resolve um problema difícil ou um café mensal para celebrar os aprendizados já pavimentam o caminho. O líder também precisa saber quando deixar o time enfrentar desafios sem rede de proteção, tal qual um pai que permite ao filho errar a resposta e depois analisa onde melhorar. A combinação de suporte e responsabilidade faz o profissional evoluir em ritmo acelerado.
Embora tecnologias como IA e plataformas de gestão mantenham o negócio no trilho, são as pessoas que escolhem acelerar ou pisar no freio. Invista tempo nelas. Defina valores claros, repita histórias que ilustrem esses valores e demonstre, com o próprio comportamento, que não há contradição entre o que se prega e o que se faz. Assim como o filho de Shane aprendeu francês vivendo o idioma, sua equipe aprenderá excelência convivendo com ela.
Encerramento: transformando insight em ação
No começo deste artigo, falamos que o mundo de 2025 exige decisões rápidas e lúcidas. A segunda seção explicou que mental mastery nasce quando treinamos o piloto automático a nosso favor. A terceira listou seis regras curtas que evitam promessas vazias e hábitos frágeis. Em seguida, vimos que posicionamento cria folga para escolher com calma em vez de reagir. A quinta parte revelou como IA deixa o lojista livre para planejar, em vez de apagar incêndios. A sexta provou que culturas fortes surgem quando líderes combinam apoio firme com desafios reais.
Agora, escolha uma regra que fez sentido para você, reserve 15 minutos por dia durante uma semana e anote o que muda. Se notar ganho de tempo ou clareza, compartilhe nas redes este artigo explicando o que aplicou. A melhor maneira de tornar uma ideia permanente é ensiná-la a outra pessoa. Boa prática e boas decisões.
Stéfano Willig é CEO da Awise QuantoSobra.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
Imagem: Envato