Não creio que nenhum estrategista do governo atual seria hábil o suficiente para propor algo tão a favor da situação como a “trumpice” perpetrada na semana passada pelo presidente norte-americano, Donald Trump. Trumpice é a definição simplista das bizarrices do presidente Trump.
Em mais uma iniciativa que beira a inconsequência desde que assumiu a presidência da ainda maior economia do mundo, acabou por mirar no que entendia ser um ponto vulnerável do Brasil, como forma de tentar impor suas vontades pessoais e, de fato, acertou o que não viu, o que seguramente não era sua intenção.
Ao mirar e tentar acertar um governo com menor afinidade com os EUA, e em sintomática e consistente perda de popularidade, conseguiu o feito de aglutinar o país contra a despropositada interferência em assuntos internos, os quais só dizem respeito ao próprio país.
O presidente Trump acostumou-se ao blefe, que fez com que outras economias, como México e Canadá, mais dependentes dos Estados Unidos, aceitassem regras comerciais despropositadas na busca de melhores condições de relacionamento comercial com seus parceiros econômicos.
A importante diferença é que os Estados Unidos foram responsáveis por apenas 12% das exportações totais brasileiras em 2024, e a balança comercial foi negativa para o Brasil em US$ 7,4 bilhões. Ou seja, importamos mais do que exportamos, com mais de 78% dessas exportações de produtos industriais.
Enquanto a China, em 2024, respondeu por 28% do total das exportações brasileiras, a balança comercial foi positiva para o Brasil, com exportações que superaram importações em US$ 22,3 bilhões.
Ou seja, essa trumpice empurra o Brasil ainda mais para o lado da Ásia do que naturalmente já vinha acontecendo, sendo outro efeito indesejado, além de tumultuar as relações comerciais, políticas e econômicas entre Brasil e Estados Unidos, que também já não vinham bem.
Essas relações foram ainda mais agravadas, no plano político, por conta dos alinhamentos ou desalinhamentos consolidados na última reunião dos Brics, no Rio de Janeiro.
Falem mal, mas falem de mim
Ao misturar temas políticos de natureza interna do Brasil, envolvendo o ex-presidente, Jair Messias Bolsonaro, com processo em curso no Supremo Tribunal Federal (STF), com a pressão econômica representada pelo aumento das tarifas de importação, conseguiu embaralhar todo o jogo e, bem ao seu estilo, criou fatos que o elevaram, mais uma vez, a ator protagonista do momento. Só que como protagonista de uma comédia de erros.
E obriga a área diplomática de ambos os países a tentar explicar o inexplicável. Trumpice não se explica: aceita-se e busca-se desfazer com habilidade e bom senso no plano diplomático.
O mérito irrefutável foi conseguir reunir situação, oposição e os sem convicção numa veemente e uníssona contestação.
E contribuiu para desviar o foco da atenção das questões mal resolvidas, como IOF, bets, aumento de salários no setor público, teto de IRPF sem descontos, gastos das estatais e desequilíbrio financeiro, que são temas fundamentais para serem tratados e resolvidos no curto prazo, pelos seus impactos negativos na economia e na sociedade como um todo.
E isso era tudo que o governo gostaria neste momento.
Beira o ridículo a trumpice perpetrada desta vez e o resultado extemporâneo alcançado.
E qualquer forma de endosso ou solidariedade ao que foi feito, seja de quem for, é ingênua por desconsiderar as suas consequências mais estruturais.
Hora de os adultos assumirem
Há momentos em que é preciso que adultos assumam o controle da situação e ajam com a necessária ponderação para colocar ordem na casa. E retirem temas das manchetes, passando a tratá-los com a profundidade, visão estratégica e seriedade que merecem.
E a diplomacia e o setor empresarial devem assumir papéis protagonistas nessa discussão, evitando que o calor político prevaleça e comprometa ainda mais o já instável cenário.
O que precisamos, nesse momento, é evitar colocar mais lenha nessa fogueira infantilóide de vaidades e tratar das alternativas para recuperar o necessário e imprescindível equilíbrio econômico, social e político nas relações entre os dois países.
Vale refletir.
Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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