O termo Big Data, cunhado há alguns anos, ainda é muito mal utilizado e, paradoxalmente, menos compreendido do que deveria, em tempos de Inteligência Artificial anywhere. Simplificadamente, Big Data refere-se a volumes imensos de dados, frequentemente em formatos não estruturados, que são gerados em uma escala sem precedentes por máquinas e exponencialmente, pelo ambiente digital.
Cada clique no celular, cada interação em redes sociais ou e-mails, por exemplo, gera um conjunto de informações volumoso, que está moldando, a partir dos algoritmos, a realidade que nos cerca. Dados trazidos pelos dispositivos móveis, como localização, ações, cliques, interações, preferências e curtidas, tempo de uso, dados de navegação, transações e muito mais, são a base dessa nova era em que os dados definem estatisticamente a vida física e digital de cada um de nós.
Quando multiplicamos milhares de informações individuais por centenas de milhões de usuários, simultaneamente, o volume de dados torna-se tão colossal que vai muito além da capacidade de processamento do humano mais inteligente do planeta. O processamento e a análise desses dados exigem o apoio de uma enorme capacidade de processamento, hardware e software específicos, algoritmos, estatísticas, painéis de gestão e muitas outras ferramentas de apoio desenvolvidas especificamente para este fim.
Transformar esse “mar de dados” em decisões verdadeiramente inteligentes e estratégicas, a despeito de todo o ferramental tecnológico de suporte, é um desafio significativo. A gestão tradicional equilibra elementos racionais e emocionais, sendo que a maioria das decisões humanas possui um forte componente emocional, muitas vezes racionalizado posteriormente. Os dados, por sua vez, são “frios” e objetivos, mas podem ser alvo de vieses de interpretação e análise. O sucesso nos negócios contemporâneos reside na capacidade de integrar o potencial dos dados – sua representação da vida real e seus indicativos, muitas vezes, imperceptíveis à intuição, com a capacidade humana de gestão integrativa.
Os 5 V’s do Big Data: pilares para a geração de valor
Para que as empresas extraiam maior valor dos dados, o conceito dos “cinco V’s do Big Data” ainda constitui um guia primário a ser seguido. São eles:
- Volume: A necessidade de técnicas estatísticas específicas para lidar com a quantidade brutal de informações disponíveis e não estruturadas, de forma aplicável;
- Velocidade: A capacidade de processar dados em tempo real e extrair conclusões objetivas rapidamente, como visto, por exemplo, na análise de estatísticas da Fórmula 1 ou da NBA durante suas transmissões;
- Variedade: A importância de cruzar diferentes fontes de informação para obter uma visão abrangente, além daquela disponível a partir de fontes primárias stand-alone;
- Veracidade: A garantia de que as fontes de dados são confiáveis e de alta qualidade, para evitar conclusões errôneas a partir de dados mal trabalhados, corrompidos ou inverídicos;
- Valor: Só existe aplicabilidade quando há geração concreta de valor para usuários ou acionistas, devendo os dados ser aplicados em estudos de casos reais para gerar benefícios reais e imediatos, sempre que possível.
Entre esses pilares, a veracidade é considerada o maior desafio para as empresas. Como essas ciências de dados são relativamente novas na administração, por décadas não houve um cuidado maior na maioria das organizações pelo tratamento e gestão dos dados brutos, de forma a maximizar a aplicabilidade dos 5Vs do Big Data.
Rotinas de extração e transferência de dados (ETL) precisam ser extremamente bem configuradas, pois a má qualidade ou a inautenticidade dos dados brutos podem levar a conclusões desastrosas. Além disso, a dificuldade humana em discernir a veracidade de informações geradas em alta velocidade por máquinas ou processadas sem crivo pelos algoritmos agrava o desafio, tornando imperativo que as empresas dominem os critérios de extração de dados e as regras de negócio para garantir a coerência na aplicação do Big Data em seus desafios de negócio. Em tempos de deepfakes e big fakes, a credibilidade das fontes de dados é crítica.
Inteligência Artificial: ferramenta indispensável e seus riscos
Sem as técnicas de Big Data, jamais poderíamos estar vivenciando a revolução da IA. A Inteligência Artificial, em particular a IA generativa, emergiu como força transformadora, sendo considerada essencial para quem deseja permanecer relevante nos negócios.
A IA funciona como suporte para a inteligência humana, similar ao uso de aplicativos de navegação como Waze ou Google Maps, que delegam aos algoritmos a otimização de rotas em tempo real. No mundo corporativo e pessoal, a tendência é que mais e mais tarefas sejam delegadas aos algoritmos de IA rapidamente ao longo dos próximos anos, muitas vezes sem que o usuário compreenda as regras subjacentes ao cálculo da IA.
No entanto, a IA generativa, popularizada pelo ChatGPT e seus concorrentes como o Gemini e o DeepSeek, apresenta riscos baseados nos mesmos problemas-raiz dos 5Vs do Big Data (dentre outros). Embora sua capacidade de conversação pareça natural e esteja cada vez mais assertiva e acurada, ainda é frequente que ocorram “alucinações”, ou seja, informações não reais, em meio a dados e informações processadas.
Trata-se de um ponto crítico, pois a IA pode fornecer dados imprecisos ou fabricar históricos inexistentes, que, por estarem em formato conversacional, iludem a capacidade humana de interpretação e tendem a parecer reais. A escala amplificada desse fenômeno representa um grande risco para empresas e para a sociedade, exigindo um papel crítico de um usuário cada vez menos atento para discernir a verdade das informações geradas pela IA e separar o joio do trigo.
A quinta revolução industrial: delegando decisões e o retorno do metaverso
A quinta revolução industrial promete transformações ainda mais profundas no modo como a sociedade se organiza funcional e economicamente. Haverá progressiva delegação de decisões à IA, como já se vislumbra em carros autônomos e cirurgias realizadas por robôs. A expectativa é de que o erro da máquina seja significativamente menor do que o humano, aumentando a confiança na delegação de tais tarefas até que sua aplicação se torne parte da rotina diária, como a escolha de uma série pelo algoritmo da Netflix ou a vitrine de ofertas no app de e-commerce.
Contrariando a intuição ou o desejo pessoal, a tendência é que as decisões sejam cada vez mais embasadas por dados sem que sequer esse processo seja percebido ou entendido pelos usuários, com questionamentos crescentes sobre o que fundamenta cada escolha a depender de suas consequências. A proliferação de avatares de IA, como a visão do Jarvis do Homem de Ferro, é vista como tendência padrão, com celulares e outros dispositivos atuando como extensões de nossa memória e capacidade cognitiva, e provavelmente em tempos exponencialmente mais rápidos do que seremos capazes de perceber.
Além disso, a computação quântica sinaliza um potencial revolucionário na capacidade de processamento da IA, operando a velocidades inimagináveis para computadores atuais e potencializando todos os ganhos e riscos dos cenários descritos. Outra previsão crível é o retorno do metaverso “revitalizado”. Embora a tecnologia imersiva tenha sido amplamente discutida em 2022 e 2023, ela foi considerada cedo demais para o mercado, após um hype que se provou excessivo. Com a evolução do hardware ao longo dos próximos anos e a naturalidade com que as novas gerações interagem com ambientes virtuais, o metaverso deverá se tornar um ambiente comum para reuniões e interações mais imersivas e naturais em alguns poucos anos.
Portanto, estamos construindo um futuro no qual os dados e a Inteligência Artificial não apenas transformam o modo como as empresas operam, mas também a maneira como vivemos e tomamos decisões em nosso dia a dia, tornando a compreensão e a adaptação a essas tecnologias um fator essencial para o sucesso e a competitividade. E, muitas vezes, compreender o que está acontecendo exige um retorno a conceitos de base, como Big Data e seus 5Vs.
Fernando Moulin é partner da Sponsorb.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
Imagem: Envato


