Em diferentes mercados e sob diferentes perspectivas, o varejo e o consumo já começam a sentir as consequências da escalada das taxações que ocorrem no plano global, a partir das decisões iniciais dos EUA e das diferentes reações nos diversos países.
No cenário mais abrangente, haverá um período de acomodação e busca de alternativas, que já se desenha com produtos, categorias e países sobretaxados redirecionando sua oferta dentro da mais óbvia dinâmica natural de mercado.
No que diz respeito ao Brasil, os dados mais recentes já mostram o redirecionamento de produtos e categorias sobretaxados para outros mercados e, como consequência, a redução da participação do destino Estados Unidos, que, neste mês de agosto, em relação a 2024, teve queda de 18,5% nas exportações brasileiras. Houve, entretanto, crescimento no dado total das exportações, de 3,9%. Ou seja, já acontece o redirecionamento.
Vale lembrar que em 2014, o Brasil exportou US$ 27,1 bilhões para os EUA, e esse número representou 12,3% do total das exportações brasileiras naquele ano.
Em 2024, o volume de exportações para os EUA atingiu US$ 40,3 bilhões, segundo a American Chamber of Commerce, porém, a participação caiu para 12,1%. Seguramente cairá aina mais a partir de agora, e a sinalização deste mês de agosto já é simbólica e preditiva.
Mas a questão mais direta é como tudo isso poderá impactar o varejo e o consumo?
Será um movimento inevitável de redirecionamento das exportações dos produtos sobretaxados para novos mercados que possam absorver esses produtos. Na prática, os produtores e exportadores atingidos pelo tarifaço partiram em busca de novos destinos, o que não é nem simples, nem fácil, porém viável. Ao mesmo tempo que importadores, varejistas e transformadores dos países que sobretaxaram também buscam alternativas para substituir fornecedores.
Um processo mais demorado, custoso e que gera desarranjos pontuais na cadeia de abastecimento e, de forma inevitável, aumento de custos, pois, sob demanda ou necessidade, o preço tende a subir. E a diferença eventualmente será absorvida ou transferida para o consumidor.
Potenciais impactos na inflação desses países para algumas categorias de produtos e marcas
A inflação, pela pressão de custos nesses produtos, países e mercados, será e já está sendo impactada como consequência da turbulência gerada. Na busca de alternativas que minimizem impactos no preço de venda, em especial no varejo e, particularmente, no varejo orientado para valor, empresas poderão optar, por algum tempo, de não repassar o aumento de custo. O que só será viável em categorias e produtos cuja alteração não tenha sido tão significativa.
Potencial aumento da participação de marcas próprias do varejo
A tendência ao aumento global da participação das marcas próprias do varejo já era um processo identificado e quantificado. Trata-se de um movimento quase natural de busca por melhoria da rentabilidade e de reequilíbrio diante do movimento das marcas de chegarem diretamente ao consumidor final, especialmente por estar atrelado ao crescimento da participação do varejo orientado para valor.
No quadro em que, de forma não prevista, ocorre um fenômeno mundial de desarranjo de fontes de abastecimento, custos alterados e imediata necessidade de revisão de cadeias logísticas, pode haver como consequência paralela um estímulo adicional para o que o varejo aumente a participação das marcas próprias, como forma de se proteger de alguma forma e de diferenciação das perspectivas geradas por desarranjos dessa natureza.
Ainda que a magnitude do que está acontecendo, envolvendo economias de diferentes tamanhos, seja imprevisível em um horizonte até onde o bom senso conseguisse alcançar.
Diversificação de destino para produtos sobretaxados em alguns mercados poderá gerar aumento da oferta em outros
Como consequência do processo de desarranjo comercial global, alguns países produtores de determinados produtos poderão, circunstancialmente, ter que colocá-los no mercado interno por perda da competitividade em outros. Mas será um processo passageiro. No caso brasileiro, pode inclusive ter gerado impactos na inflação de alimentos para consumo no lar.
O redirecionamento para outros mercados externos, porém, poderá criar um cenário favorável, em alguns países, de aumento de oferta, com eventual impacto positivo no preço desses produtos e na inflação de consumo.
Aumento potencial da participação de varejo de valor em mercados sobretaxados
O aumento de participação do varejo de valor também já era uma tendência em processo de evolução, em âmbito global e local, e deverá ser acelerado, pois o aumento de preço de produtos direciona o consumidor a optar por operações, marcas, formatos e canais orientados para valor. E esse processo, por questões estruturais, e mais o impacto da sobretaxação, deverá ser acelerado no cenário presente e futuro.
Impacto nas operações cross border nos diferentes mercados
Operações em plataformas cross border, com venda direta de empresas aos consumidores, em especial a partir da Ásia e, mais especialmente da China, tenderão a crescer pelo potencial de atingirem aos consumidores com preços mais competitivos em diversas categorias.
E precisarão ser ainda mais reguladas e controladas, sob risco de desorganizar ainda mais os mercados internos e criar concorrência distorcida para os operadores locais.
Para concluir
É inegável que a sobretaxação desorganizou momentaneamente mercados, países, economias, categorias e produtos, precipitando um rearranjo estrutural, operacional e comercial de ampla dimensão.
Nada que, em alguns meses, não esteja novamente reequilibrado em outros patamares, com diversificação das fontes de abastecimento, novas condições comerciais, aumento de participação de marcas próprias e aceleração do crescimento do varejo de valor.
Porém, outra mudança estrutural, quase irreversível ou apenas mutável no longo prazo, é o acirramento da polarização política e econômica global, com comprometimento do protagonismo dos Estados Unidos e uma nova composição e combinação de forças a partir da Ásia, de alguma forma sinalizada pela revitalização da Organização de Cooperação de Xangai (OCX), que se reuniu na semana passada na China e se alinhou em diversos aspectos contrários aos interesses norte-americanos, gerando uma perspectiva diversa numa nova ordem econômica, política e financeira global.
Se era o inimaginável, o objetivo previsto por Trump foi alcançado. Se não era, vai demorar para reverter. Pontes foram queimadas.
Notas:
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Marcos Gouvêa de Souza é fundador e diretor-geral da Gouvêa Ecosystem e publisher da plataforma Mercado&Consumo.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
Imagem: Envato

