Produtos atraentes, campanhas bem produzidas e programas de fidelidade baseados em pontos. Nada disso garante, por si só, que uma marca seja relevante para o seu público.
Segundo o relatório The State of Fashion 2025, mais de 53% dos consumidores trocam regularmente de marca, mesmo participando de programas de fidelização. Outro dado relevante, publicado no Edelman Trust Barometer Special Report: Brands and Politics (2024), mostra que 84% das pessoas afirmam que precisam compartilhar os valores de uma marca para comprar dela.
Esses números revelam a perda de eficiência dos modelos tradicionais de retenção e apontam para um novo caminho: construir comunidades como um ativo estratégico de marca.
De buzzword a alicerce estratégico
Por muito tempo, as comunidades foram tratadas como sinônimo de audiência. Mas a comunidade, de verdade, é outra coisa., como define Abiola Babarinde, da marca de beleza inclusiva Topicals: “Comunidade é uma conversa de mão dupla com pessoas, para entender o que as motiva e como elas querem existir no mundo.”

O marketing tradicional, muitas vezes, se parece com a performance solo de um músico: um espetáculo individual, estético, feito de dentro para fora. Assim funcionam algumas marcas, que criam campanhas impecáveis, mas falam sozinhas, encantadas com sua própria melodia.
Comunidade, ao contrário, é coral. É jam session. É o encontro de vozes que se misturam, criam dissonâncias, improvisam e se sustentam mutuamente. E é justamente essa diferença que muda tudo.
Marcas que constroem comunidades sólidas colhem frutos que vão além da venda imediata:
- Produtos cocriados com os próprios consumidores;
- Embaixadores espontâneos
- Redução real do custo de aquisição;
- Engajamento orgânico contínuo
- Recorrência de compra sem a dependência de promoções agressivas.
É aqui que entra o conceito do livro “O Novo Poder”, de Heimans & Timms, de que as comunidades são mais parecidas com correntes em rede do que com pirâmides de comando. Não funcionam pelo controle, mas pela participação.
Comunidade não é canal de venda, mas um motor de crescimento sustentável. E talvezs seja o ativo mais difícil de copiar no varejo atual.
Os formatos variam, mas, em geral, estruturam-se em pilares como:
Atividade
Baseadas em uma prática, hobby ou estilo de vida compartilhado (esporte, bem-estar, cultura etc.):
- Rapha: marca britânica de ciclismo com clubes ativos ao redor do mundo;
- Track&Field: ecossistema esportivo que promove eventos como o T&F Run Series.
Personalidade
Construídas em torno do fundador ou rosto da marca, gerando identificação direta e proximidade:
- Skims: fundada por Kim Kardashian, que personifica a marca e sua comunicação;
- NV: criada pela influenciadora Nati Vozza, apoiada por uma base fiel de seguidoras.
Valores e causas
Unidas por crenças ou propósitos compartilhados, que orientam tanto os produtos quanto a narrativa da marca:
- Topicals: skincare focado em saúde mental e diversidade;
- Pantys: moda íntima com foco em sustentabilidade e impacto social.

Bandit running: correr junto, não à frente
Um bom exemplo é a Bandit Running, nascida no Brooklyn em 2020. Em vez de disputar espaço com gigantes como Nike ou Adidas, a marca encontrou força naquilo que eles não conseguem escalar: a intimidade local.
Ao abrir sua loja em Manhattan, percebeu que já existiam inúmeros “Run Clubs”. Em vez de criar mais um, passou a abrir suas portas às 7h da manhã para receber corredores que já se reuniam. O gesto simples gerou pertencimento.
O mesmo se repetiu em Los Angeles: antes de promover eventos, a marca ouviu líderes locais, entendeu suas necessidades e propôs soluções sob medida.
No digital, a lógica é a mesma. No Instagram, a Bandit usa o recurso Close Friends para envolver seguidores em decisões criativas. Resultado: com 147 mil seguidores, supera a Nike Running em engajamento (4,92% contra 0,64%, BoF 2025).
Essa combinação de escuta ativa, cultura local e proximidade transformou seguidores em protagonistas.
Pertencimento é o verdadeiro diferencial
Vivemos em um mercado de excesso de oferta e escassez de atenção. Produtos se tornam commodities em minutos. O que permanece é a relação que a marca é capaz de criar.
E relação não nasce de desconto ou campanha. Ela nasce de tempo, verdade e valor compartilhado.
Como provoca Seth Godin, autor do best-seller “Tribes: marcas que ainda acreditam que o jogo é convencer pessoas a comprar já perderam”: “O desafio real é construir tribos que escolhem estar com você, não porque você vende algo, mas porque, juntos, vocês constroem algo que não se compra nem se copia.
O jogo não está em vender, mas em construir pertencimento. Porque, no fim das contas, as pessoas podem trocar de produto, mas não trocam de tribo.
Cecília Rapassi é consultora de Negócios na área de Moda e professora de pós-graduação em Fashion Business na Faap.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
Imagens: Divulgação

