Durante muito tempo o atacado de moda enxergou o lojista como cliente final. Bastava fechar bons pedidos para considerar a temporada ganha. Hoje essa lógica já não se sustenta. O verdadeiro resultado acontece quando as peças chegam às lojas — e sua performance passa a depender de fatores fora do controle direto da indústria: exposição, mix de cores, reposição, precificação. Se o produto não gira, a conta aparece no próximo pedido — ou na ausência dele. Por isso, quem atua no atacado precisa acompanhar o percurso da peça até o consumidor final.
Os números do setor confirmam a importância dessa virada. Segundo a ABIT, o têxtil e de confecção faturou R$ 203,9 bilhões em 2024, crescimento de 7% frente ao ano anterior. Já no varejo de moda, a Pesquisa Mensal de Comércio do IBGE mostra que o primeiro trimestre de 2025 trouxe alta de 4% em volume e 6,3% em receita nominal. No mesmo período, uma enquete da ABVTEX apontou que 92% das varejistas tiveram vendas superiores às de fevereiro de 2024, e mais da metade relatou também maior força no e-commerce. Os sinais são positivos: há espaço para crescer. Mas em um mercado instável e cada vez mais competitivo, o resultado da ponta precisa orientar decisões estratégicas desde o início da cadeia.
O que impede a indústria de acompanhar o sell out?
Falta de dados do ponto de venda
A integração de dados ainda é um grande desafio: além da pulverização de ERPs no mercado e da ausência de suporte técnico qualificado nos PDVs, muitos lojistas resistem a compartilhar informações por receio de se tornarem reféns dos fornecedores. O resultado é um “ponto cego” no acompanhamento do sell out. Sem acesso a indicadores reais de loja — como giro de produtos, ruptura, comportamento de compra ou elasticidade de preço —, a marca não tem a possibilidade de refinar seu sortimento e buscar maior assertividade na oferta.
Atacado e varejo em silos
Em muitas empresas, os times continuam operando de forma isolada: de um lado, o atacado perseguindo metas de distribuição e faturamento; de outro, o varejo responsável por margem e estoque. Essa divisão impede que um canal alimente o outro com dados e insights que poderiam beneficiar toda a operação.
Produção desalinhada ao calendário de varejo
Pedidos programados e produzidos sob demanda reduzem o risco para o fabricante. No entanto, quando não há visibilidade para o lojista sobre o mix e o cronograma de entrega, o resultado é ruptura no ponto de venda. Muitas coleções acabam chegando de forma descoordenada, fora do timing estratégico do calendário do varejo. Na prática, o fabricante “puxa” a produção, enquanto o lojista é obrigado a “empurrar” as peças, sem autonomia sobre o recebimento. Esse modelo pode gerar excesso de estoque, descontos forçados e até devoluções. Se o atacado não tratar a entrega como uma verdadeira alocação estratégica para o varejo, corre o risco de saturar o mercado e fragilizar seu parceiro.
Pouco suporte estratégico
Sem apoio em marketing, visual merchandising, treinamentos e acompanhamento de desempenho, o lojista dificilmente extrai todo o potencial do mix comprado. É papel do fornecedor prover esse suporte para alavancar a performance no PDV.
Como conectar o sell in ao sell out: práticas que fazem a diferença
1. Criar parcerias reais com lojistas
Em vez de simplesmente despachar pedidos, é preciso ouvir quem está na linha de frente. Criar canais eficientes de comunicação — reuniões rápidas, grupos de escuta ou relatórios de avaliação — permite que o lojista traga insights de venda, aponte necessidades do mix e sugira ações conjuntas. Assim, a marca se posiciona como parceira estratégica, ajudando a transformar pedidos em giro real.
2. Apoiar o PDV com campanhas cooperadas
Materiais de visibilidade, ações promocionais em datas estratégicas e narrativas consistentes sobre produto ajudam o lojista a contar a história da coleção. Quando o atacado divide investimentos em marketing local, reforça o compromisso com o resultado final.
3. Investir em tecnologia aplicada ao canal
A cooperação entre fabricantes e varejistas tem enorme potencial competitivo, e a oferta de soluções acessíveis cresce ano após ano. Sistemas com IA que sugerem reposição inteligente, algoritmos que indicam o balanceamento de mix, ferramentas de pagamento integradas à vitrine infinita das marcas, automação de treinamentos com recursos de gamificação para equipes pulverizadas já estão disponíveis para empresas de diferentes portes. Incorporar tecnologia na relação B2B reduz riscos e aumenta velocidade de resposta.
O futuro do atacado não se mede pelo volume de pedidos fechados, mas pela capacidade de sustentar a performance das lojas. Isso exige rever cultura, estrutura, tecnologia e mentalidade. Quem encara o desafio reduz desperdícios, fortalece a relação com lojistas e aprende mais rápido para a coleção seguinte.
Se a venda nas lojas não acontecer, todo o esforço do sell in perde parte do valor. O jogo da moda só termina quando o produto encontra o consumidor — e é nessa hora que se decide quem continua sendo relevante na cadeia.
Cecília Rapassi é consultora de Negócios na área de Moda e professora de pós-graduação em Fashion Business na Faap.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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