Em um momento em que estamos cercados por tecnologia e as pessoas anseiam por novidades, apelar para a nostalgia como estratégia de venda pode ser um bom caminho? Com tantas marcas entrando nessa onda, talvez a resposta seja sim. As empresas estão de olho na economia da nostalgia e vêm relançando antigos produtos, mas com um olhar mais moderno.
Um exemplo é a tendência Y2K, em que as gerações atuais estão revivendo peças e estilos populares nos anos 2000. A Converse, também atenta a esse movimento, relançou um calçado clássico de seu portfólio: o Chuck Taylor All Star XX-Hi. O modelo de cano alto voltou quase 19 anos depois. O tênis, que tinha o cano até o joelho, era bastante popular entre a galera mais alternativa, como os emos.
Populares entre os anos 1980 e 1990, os calçados Bamba também estão de volta. A marca retornou ao mercado brasileiro há dois anos, inicialmente apenas no e-commerce, mas, neste ano, ganhou sua primeira loja física. Essa reentrada no varejo nacional foi liderada por Julia Maringoni.
De acordo com o professor de Marketing 60+ da Fundação Getulio Vargas (FGV) e fundador da SeniorLab, Martin Henkel, a ascensão da economia da nostalgia está diretamente ligada a fatores demográficos, econômicos e emocionais. Ele explica que o envelhecimento populacional é o centro de tudo.
“Os boomers e os mais velhos da geração X, hoje na faixa dos 55, 60 e 70 anos, têm mais poder de compra e mais tempo para consumir. Além disso, chegam a uma fase da vida em que a nostalgia funciona como um atalho poderoso de reconexão com sentimentos e experiências passadas”, destaca.
Não foi só o segmento de calçados que entrou na onda da nostalgia. Marcas de alimentos também vêm apostando em relançamentos para atrair o público. A Nestlé trouxe de volta seu sucesso dos anos 1980, o chocolate Surpresa. Nesta nova versão, atenta ao desenvolvimento tecnológico, a marca substituiu os cards colecionáveis pela versão digital.

Famoso nos anos 1990, outro chocolate que está de volta às prateleiras é o da Turma da Mônica. O produto foi licenciado pela rede Brasil Cacau, do Grupo CRM, que faz parte da Nestlé — responsável pela fabricação dos chocolates nos anos 1990.

“Quando uma marca ativa memórias positivas, ela não oferece apenas um produto ou serviço, mas se associa a uma história pessoal. Essa conexão emocional é muito mais duradoura do que qualquer campanha de curto prazo. O resultado é maior engajamento, lealdade e até indulgência”, explica Henkel.
Consumidor fiel
Segundo o especialista, quando o consumidor 60+ sente que uma marca respeita suas memórias, ele tende a se tornar um embaixador natural dela. De acordo com Henkel, esses consumidores estão dispostos a perdoar pequenos deslizes, pois a marca já ocupa um espaço afetivo consolidado.
“Explicando de forma simples: a marca deixa de ser um fornecedor e passa a ser um companheiro de jornada, um guardião de memórias boas e significativas”, acrescenta.
Henkel destaca que as sensações desencadeadas pela nostalgia geram uma influência poderosa, diferenciando a marca e atraindo a atenção do consumidor. “Em um mundo com tantas ofertas de marcas, mensagens e ‘infoxicação’ [termo usado para descrever a sobrecarga de informações], três segundos de atenção é metade do jogo ganho. O consumidor 60+ não compra apenas um produto, ele compra um pedaço de sua própria história que tem conexão com aquele produto. Quando esse resgate emocional acontece, o preço deixa de ser o principal critério e o valor passa a ser o inesperado turbilhão de emoções.”
Nostalgia como ferramenta de marketing
A Nike entrou na onda da nostalgia e relançou modelos clássicos, como Air Jordan, mantendo o design dos anos 80, mas aplicando novos materiais e cores. Já na indústria alimentícia, como os exemplos já citados, embalagens retrô convivem com fórmulas mais saudáveis ou adequadas aos padrões atuais.
“O segredo está em entender que nostalgia não é simplesmente copiar o passado. As marcas bem-sucedidas trabalham a novidade por meio da ‘releitura de clássicos’ — preservam elementos icônicos que despertam memórias, mas incorporam inovações em design, tecnologia ou formulação”, afirma.
Para Henkel, a nostalgia funciona como um portal emocional. Normalmente, o processo de construção de vínculos entre marca e consumidor é longo e custoso, exigindo tempo, repetição e investimentos em branding. A nostalgia, por outro lado, abre um caminho direto, como uma porta que conecta o presente a memórias do passado.
“No mercado de consumo, é uma ferramenta poderosa, porque vende uma experiência emocional. A sensação é uma mistura de conforto e familiaridade. É como rever um velho amigo ou revisitar um lugar especial da infância. O consumidor pode sentir alegria e afeto, da mesma forma que a trilha sonora de um desenho animado antigo pode evocar a alegria das manhãs de sábado na infância”, acrescenta.
A nostalgia vai além de produtos. Reprises e remakes de novelas antigas têm grande audiência. A dramaturgia brasileira usa esse recurso para reconectar telespectadores de décadas atrás e atrair novas gerações. Bandas e artistas com turnês de reunião de grupos dos anos 80 e 90 ou artistas nacionais populares lotam estádios. O público paga para reviver experiências daquela época.
“A nostalgia é transversal: funciona em moda, alimentação, entretenimento, tecnologia e música. E tem efeito especial entre os consumidores 60+, para quem ela não é apenas uma tendência de mercado, mas uma poderosa forma de reconexão com sua própria história”, conclui Henkel.
Imagem: Envato




