O Brasil tem avançado na inclusão financeira nos últimos anos, com milhões de pequenos empreendedores finalmente acessando crédito, contas digitais e meios de pagamento modernos. Essa transformação silenciosa, mas profunda, tem sido puxada por fintechs que democratizam o acesso ao sistema financeiro. Agora, uma decisão do governo federal ameaça inverter essa lógica: o aumento de 70% na alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) para essas empresas, que passa de 9% para 15%. A medida, apresentada como uma transferência de recursos dos ricos para os pobres, na verdade faz o contrário: tira dos peixes pequenos para alimentar os tubarões. Ela erra o alvo ao penalizar quem mais precisa — o dono do bar, a vendedora do mercado de bairro, o ambulante que usa maquininha — e favorecer os grandes bancos, que seguem com margens robustas e pouca concorrência.
As fintechs são hoje a ponte entre o pequeno empreendedor e o sistema financeiro. Oferecem maquininhas com taxas mais acessíveis, contas digitais sem burocracia e antecipação de recebíveis que garantem o fluxo de caixa. Encarecer esses serviços é cortar o oxigênio de quem já opera no limite. Em um setor em que a maioria das transações são feitas por meios eletrônicos, qualquer aumento de custo se traduz em menos margem, menos competitividade e, muitas vezes, em portas fechadas.
Mais do que isso: o aumento da CSLL ameaça diretamente o processo de bancarização dos mais pobres. Milhões de brasileiros que nunca tiveram conta em banco passaram a usar serviços digitais por meio de fintechs, com acesso a crédito, pagamentos instantâneos e controle financeiro na palma da mão. Ao sufocar essas empresas, o governo dificulta esse avanço e empurra novamente os mais vulneráveis para a informalidade e o dinheiro vivo.
O setor de alimentação fora do lar, assim como o varejo popular, ainda se recupera dos efeitos da pandemia. Enfrenta custos elevados, margens apertadas e crédito escasso. As fintechs surgiram como aliadas nesse cenário, oferecendo soluções rápidas, digitais e acessíveis. Punir esse ecossistema é andar na contramão da inovação e da inclusão.
É contraditório que o mesmo governo que promove o Pix, o Open Finance e o sandbox regulatório (a flexibilização de regras em ambiente controlado para teste de soluções ou produtos), iniciativas que colocaram o Brasil na vanguarda da inovação financeira, agora imponha uma carga tributária que sufoca justamente os agentes dessa transformação. Aumentar impostos sobre fintechs neste momento é desestimular a concorrência e fortalecer o oligopólio bancário.
Tratar fintechs como se fossem grandes bancos ignora realidades completamente distintas. Enquanto os bancos tradicionais operam com estruturas consolidadas e lucros bilionários, muitas fintechs ainda estão em fase de crescimento, buscando escala e sustentabilidade. Tributar igualmente o desigual é perpetuar a desigualdade.
A Abrasel defende uma política tributária que estimule a inovação, promova a concorrência e fortaleça o pequeno empreendedor. O aumento da CSLL para as fintechs vai na direção oposta. É preciso rever essa decisão com urgência, sob pena de comprometer avanços que levaram anos para serem construídos.
Convidamos os integrantes do governo a revisitar suas próprias posições no passado. Foi no governo Dilma que se escolheu tributar menos a inovação, decisão acertada e de bons frutos, agora ameaçada. Sim, é possível arrecadar mais sem penalizar quem mais precisa e sem mexer em time que está ganhando. E é possível, sobretudo, construir um sistema financeiro mais justo, acessível e eficiente — com as fintechs como aliadas, e não como alvos.
Paulo Solmucci é presidente da Abrasel
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
Imagem: Envato



