Quando falamos sobre sustentabilidade no setor da moda, é comum ouvirmos sobre os impactos negativos que a indústria gera: montanhas de resíduos, desperdício de matéria-prima e o descarte de toneladas de roupas em locais remotos, como o deserto do Atacama. Estudos mostram que a indústria da moda é responsável por 10% das emissões globais de carbono e produz cerca de 92 milhões de toneladas de resíduos têxteis anualmente. Embora esses dados sejam amplamente reconhecidos e a discussão sobre esses problemas seja fundamental, acredito que é hora de avançar para outra fase. Em vez de focar apenas nos danos, devemos enxergar a sustentabilidade como uma oportunidade de crescimento, inovação e diferenciação para a indústria da moda.
Acredito que já tenhamos ultrapassado o ponto em que ficamos apenas apontando o dedo para a poluição ou criticando os resíduos que a moda gera. Esse tipo de abordagem, que muitas vezes busca chocar, é relevante, mas já foi amplamente discutida por ativistas e organizações. O que me interessa é o que vem depois: como transformar esses resíduos em oportunidades reais de negócio? Como a indústria pode ser um agente de mudança e, ao mesmo tempo, gerar valor econômico a partir de práticas sustentáveis?
Hoje, já existem empresas sólidas que estão ativamente trabalhando para ressignificar o que chamamos de “lixo”. Para essas empresas, os resíduos não são um problema, mas sim uma matéria-prima que pode ser reutilizada, reaproveitada e revalorizada. Essa é a chave para o futuro da moda sustentável: enxergar os resíduos como um recurso, e não como um obstáculo. Quando conseguimos despertar esse olhar nas empresas, estamos resolvendo dois grandes problemas de uma vez: lidamos com a questão do acúmulo de resíduos e, ao mesmo tempo, criamos novas oportunidades de negócio.
Um exemplo internacional desse movimento é a FabBRICK, uma empresa francesa que produz tijolos a partir de resíduos têxteis, transformando materiais que seriam descartados em um produto útil e sustentável, alinhando-se com as práticas de economia circular. No Brasil, o Grupo EuroFios, localizado em Santa Catarina, também contribui para essa causa ao transformar resíduos têxteis em fios e barbantes sustentáveis. A empresa recicla anualmente mais de 13 mil toneladas de resíduos pré-consumo, como retalhos e aparas, que são selecionados e transformados em fibras têxteis recicladas.
Outra empresa brasileira que aposta nessa abordagem é a Unifi, com a marca Repreve, que já reciclou mais de 40 bilhões de garrafas plásticas desde 2007, transformando-as em fibras de alta qualidade, promovendo a circularidade na cadeia têxtil e evitando que resíduos cheguem a aterros e oceanos. Já no setor de feiras e eventos, o Febratex Summit 2023, que conectou mais de 5.500 profissionais, conseguiu destinar 92,2% dos resíduos produzidos para reciclagem. Esse feito resultou na conquista do selo Lixo Zero.
A sustentabilidade na indústria da moda já se tornou uma realidade. Embora o ciclo produtivo da moda gere resíduos, esse desafio não é insuperável. Estamos cada vez mais direcionando esse fluxo para destinos produtivos, transformando resíduos em oportunidades de negócio, inovação e soluções criativas. Não se trata apenas de se opor ao descarte inadequado; é fundamental agir proativamente para aproveitar o que já existe, encontrando maneiras de reaproveitar cada pedaço de material e contribuir para um futuro mais sustentável.
Se eu pudesse deixar uma mensagem para a indústria da moda e para os todos que estão interessados no tema da sustentabilidade, seria essa: parem de ver os resíduos como um problema insolúvel e comecem a enxergá-los como uma oportunidade. Uma oportunidade de transformar a moda, de gerar novos negócios, de criar empregos e de fortalecer uma economia sustentável. Esse é o futuro que precisamos construir juntos.
A sustentabilidade, além de ser uma necessidade ambiental, deve ser vista como uma poderosa ferramenta de crescimento e inovação. E a moda tem o potencial de liderar esse movimento.
Giordana Madeira é diretora-executiva do Febratex Group.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
Imagem: Envato