Apesar do final de tarde frio e chuvoso, o Mercado Urbano Tobalaba, em Santiago, estava movimentado na quinta-feira passada. Parte dos frequentadores passeava pelos corredores em busca de algum produto antes de pegar o Metrô para casa. Outros aproveitavam o happy hour, assistiam a uma palestra aberta sobre inovação ou visitavam a área de ativação de marca da Lenovo, no estilo do que se vê no SxSW. O alto fluxo é comum: todos os meses são registradas cerca de 650 mil visitas ao local.
O MUT (apelido formado por suas iniciais) pode ser definido como um anti-mall. Isso significa oferecer experiências distintas das encontradas nos shoppings tradicionais, com foco em eventos e ações direcionadas à comunidade. Nos finais de semana, músicos ocupam a calçada externa e as escadarias de madeira do centro comercial. As lanchonetes promovem workshops de como preparar sanduíches incrementados ou sushis em casa. Se a programação cultural é variada, já sorteios e ações com personagens licenciados, tão comuns nos grandes shoppings, raramente aparecem por lá.
Um anti-mall não poderia ter um mix de lojas convencional. Por isso, pequenos lojistas, estilistas, chefs e produtores independentes predominam entre os cerca de 40 mil m² de ABL (área bruta locável), que reúnem lojas, serviços e operações de alimentação. Dessa forma, além de se diferenciar da concorrência, como o enorme Costanera Center, do grupo Cencosud, que fica a apenas 1,5 quilômetro, o MUT cumpre o propósito de fomentar o empreendedorismo.
Para abrigar pequenos lojistas, o mercado urbano dispõe de lojas de 25 m² e de um espaço coletivo, onde artesãos podem alugar módulos de 9 m², como se cada módulo fosse parte de uma grande loja de departamentos.
Isso não significa excluir as grandes marcas. Nike, Adidas, Samsumg e Natura estão presentes, mas não são maioria.
A gastronomia é um ponto alto. Há restaurantes modernos nos andares superiores e uma praça de alimentação em formato de U no piso logo abaixo do térreo, com mesas compartilhadas. Acima das cabeças dos clientes, uma revoada de pássaros brancos cenográficos cria uma atmosfera poética.
O projeto, reconhecido como um dos 10 melhores das Américas em 2025 pelo respeitado Urban Land Institute, abriu as portas em julho de 2023. O MUT possui oito pisos e está integrado a quatro torres de escritórios e a uma estação de metrô, cujo acesso é emoldurado por um imenso painel de projeções digitais.
A arquitetura, embora moderna, remete a antigos galpões industriais adaptados, evocando uma sensação de nostalgia. Elementos rústicos, como a sinalização dos pisos, reforçam o conceito. O terceiro andar abriga um acolhedor jardim aberto, onde os visitantes passam o tempo tomando café, lendo ou conversando, cercados por plantas e hortas comunitárias. A sensação é de que o MUT é, de fato, uma extensão autêntica, diversa, segura e organizada do comércio da cidade.
Um dos seus aspectos mais originais é a entrada exclusiva para bicicletas, o Bici Hub. Quem chega pedalando tem acesso especial por uma rampa que leva diretamente ao estacionamento de bikes, com serviços pagos, como lockers e banheiros com chuveiros. Muitas empresas instaladas nas torres ou no entorno oferecem essas facilidades como benefício aos seus empregados. Ali ao lado, há ainda uma estação de autorreparo de bicicletas e uma loja de acessórios para quem adora pedal.
O estímulo ao uso das bicicletas e a integração com o metrô são contabilizados pela Territoria, empresa responsável pelo desenvolvimento e operação do MUT, como parte de suas políticas sustentáveis, voltadas à redução do consumo de combustíveis fósseis. Outras ações incluem o uso de energia 100% renovável: eólica, hidrelétrica e solar.
Tem mais: das 15 toneladas de resíduos produzidas diariamente, nenhuma é destinada a aterros sanitários. Isso é possível graças a processos de reutilização, reciclagem e transformação. Os resíduos orgânicos, que representam 40% do total, são tratados e geram fertilizante para áreas verdes, além de uma quantidade de biogás equivalente a 5% do consumo de energia do projeto. A irrigação das áreas verdes utiliza 100% de água reciclada ou reaproveitada, reduzindo em 7 milhões de litros o consumo de água potável por ano.
A visita ao Mercado Urbano Tobalaba trouxe bons insights. Do investimento no desenvolvimento de novos operadores ao ambiente aconchegante, mesmo em um projeto tão vertical, passando por ideias simples e inovadoras, como o Bici Hub, o lugar reúne referências relevantes para as indústrias de shoppings e strip malls.
Todos os dias ouvimos empresas falando em fazer diferente. O MUT não apenas fala, mas também faz. Mostra que, apesar dos riscos, é possível trilhar novos caminhos com sucesso.
Luiz Alberto Marinho é sócio-diretor da Gouvêa Malls.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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