‘Adolescência’, saúde social, marcas e shopping centers. Tudo junto e misturado

'Adolescência', saúde social, marcas e shopping centers. Tudo junto e misturado
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A série ‘Adolescência’, da Netflix, tem dominado as discussões nas redes sociais. Não é à toa. É pesada e perturbadora a história do garoto de 13 anos, de uma família normal de classe média britânica, que mata a facadas uma colega de escola por sentir-se rejeitado.

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A história fala de bullying, masculinidade tóxica, da falência do sistema educacional, dos perigos por trás das redes sociais e muito mais. Além de tudo, evidencia o problema de comunicação entre adolescentes e adultos (incapazes de entender até a linguagem que a garotada usa no Instagram) e expõe com uma crueza impressionante a desconexão da sociedade. É assustadora.

‘Adolescência’ mostra que isolamento e rejeição social podem ser letais, de diversas formas.

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Você já ouviu falar de saúde social?

Uma das palestras mais interessantes do último SXSW, aquele festival de inovação que aconteceu no começo de março, em Austin, no Texas, foi a da cientista social Kasley Killam.

Durante a apresentação, a cientista social destacou a importância de cuidarmos não apenas da saúde física e mental, mas também da nossa saúde social. Em seu livro, “A arte e a ciência da conexão: por que a saúde social é a chave que falta para viver mais, com mais saúde e mais feliz”, lançado ano passado, ela explica como o senso de pertencimento traz benefícios concretos para a saúde, proporcionando uma vida plena.

A desconexão, por outro lado, não leva necessariamente a crimes como o da série da Netflix, mas pode ocasionar doenças no corpo e na mente. “Saúde física está relacionada com nosso corpo e a saúde mental com nossa mente. A saúde social tem a ver com nossos relacionamentos”, alertou Kasley.

Longevidade e felicidade estariam fortemente associadas à nossa capacidade de se relacionar com os outros. Não estamos falando apenas dos amigos do peito, ou da família mais próxima. As relações com os colegas de trabalho, vizinhos e até estranhos com os quais cruzamos na rua são também importantes. Até sorrir e conversar com o atendente de uma loja ou o barista da cafeteria do shopping ampliariam nosso bem-estar.

Marcas exclusivas (e pouco inclusivas)

A evolução das marcas, ao longo das últimas décadas foi caracterizada pela redução da importância do produto em favor de significados, estilos de vida e valores culturais associados a ele. Em outras palavras, o cliente não comprava simplesmente uma caneta Montblanc, um tênis Nike ou uma garrafa de Gatorade, e sim sofisticação, desempenho, saudabilidade.

Muitos anos atrás, o respeitado estrategista e pesquisador Jaime Troiano explicou esse fenômeno de maneira simples e direta, em um artigo. Ele ensinou que o nosso ‘eu real’, quando alimentado pela identidade de determinadas marcas, vê-se convertido no ‘eu ideal’. Dessa forma, ao desfilar logotipos em nossos telefones, camisetas, copos de café ou automóveis, estaríamos comunicando aos outros como queremos ser percebidos.

O resultado é que muitos consumidores passaram a construir sua identidade e buscar pertencimento a partir das marcas que utilizavam. Esse processo de ostentação, que teve seu apogeu nos tempos áureos da geração X (pessoas nascidas entre 1965 e 1981), passa certamente pela busca de aceitação, mas não produz necessariamente inclusão.

Marketing H2H (de um humano para outro)

Algumas marcas, porém, lograram construir verdadeiras comunidades em torno de seus valores e propósito. Uma das mais conhecidas é a Harley Davidson, cujos usuários não apenas constituem um grupo coeso como promovem eventos e encontros e possuem um grupo de afinidade, o HOG – Harley Owners Group.

Há outros exemplos:

– LEGO possui um grupo de fãs, chamado de AFOLs (Adult Fans of LEGO), que organiza encontros e convenções de fãs.
– Lululemon promove sessões de ioga, workshops de bem-estar e clubes de corrida em suas lojas.
– Patagonia convida os clientes para exibições de filmes, palestras e para participar em ações de ativismo ambiental, dentro e fora das lojas.
– IKEA oferece workshops de decoração, atividades infantis e aulas de gastronomia em suas unidades, aproximando clientes da marca e estimulando interações entre eles.

Marketing significa atender necessidades e desejos dos consumidores. Acontece que essas necessidades e desejos, hoje, são outros. O próprio Kotler, que criou a definição original de marketing, admite que estamos mergulhando de cabeça na era do Marketing H2H: Human to Human (de um humano para outro).

Essa, inclusive, é a tese principal do mais recente livro do professor Kotler. Ele escreveu: “empresas que abraçam o Marketing H2H cultivam relações emocionais com comunidades, colaboradores e clientes”. O veterano mestre disse ainda que não basta conhecer os dados demográficos dos consumidores. É preciso também saber sobre seus sonhos, medos, dores e aspirações. Sem isso não há como se conectar com alguém.

Os novos sonhos de muitos passam pela tal saúde social, da Kasley Killam. Os medos estão altamente relacionados com a série da Netflix, que tira o sono de mães e pais nos quatro cantos do planeta.

E os shoppings, onde entram nisso tudo?

As novas gerações de consumidores parecem precisar menos do prestígio artificial emprestado pelas marcas e mais de iniciativas capazes de proporcionar pertencimento figital – tanto no mundo digital, quanto no físico.

A verdadeira vocação dos shopping centers, como temos repetido aqui, é hospedar bons momentos da vida de seus clientes. Mas, como todo o resto, o marketing dos centros comerciais também precisa evoluir.

O próximo nível exigirá mais do que criar ambientes convidativos e eventos atraentes, simplesmente. Será preciso organizar comunidades e estimular interações entre as pessoas, dentro e fora das lojas, para que elas se sintam menos solitárias e mais conectadas.

Investir em pertencimento por meio de grupos intencionais é o novo desafio do marketing dos shoppings. E, vamos combinar, isso nem é tão difícil assim. Basta pensar em marketing como a arte de promover a saúde social dos frequentadores. De um humano para outro.

Luiz Alberto Marinho é sócio-diretor da Gouvêa Malls.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
Imagem: Reprodução

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