Em uma tarde fria de sexta-feira, pai e filho brincam juntos em um simulador de corrida logo na entrada do Xdome, arena gamer inaugurada há três anos no Shopping Metrô Santa Cruz. Ao lado, dois jovens, que parecem ter saído do colégio direto para lá, jogam animadamente, enquanto outros dois colegas observam. Mais à frente, em um ambiente com luz baixa, algumas pessoas interagem concentradas com suas telas.
Envolvido pelo clima, aceito o convite do gerente do espaço e me arrisco em um jogo que exige óculos de realidade virtual. O desafio: acertar, com sabres de luz, blocos que vêm na minha direção ao ritmo de uma música do Imagine Dragons. Meu desempenho é, digamos, constrangedor, mas a experiência é divertida. Saio de lá decidido a voltar com minhas filhas.
Meu interesse pelo Xdome não é exatamente pelo universo gamer. Fui conhecê-lo porque ele é uma criação da Allos, maior operadora de shopping centers do País. E você pode se perguntar: por que uma empresa de shoppings investiria nisso?
“O mundo gamer já é maior que a indústria do cinema. Essa é uma atração que traz o público jovem e também adultos para o shopping, oferecendo uma experiência exclusiva”, explica Sâmia Marramon, gerente de Produtos Proprietários da Allos.
Instalado em uma loja de 300 metros quadrados, o Xdome recebe cerca de 11 mil visitantes por mês e conta com patrocínio da Caixa Econômica. Segundo a Allos, a qualidade dos equipamentos e a possibilidade de socialização presencial explicam a boa adesão. A iniciativa gerou até uma versão itinerante, o Xdome Experience, que já percorre outros shoppings da rede. Quando passou pelo NorteShopping, no Rio, atraiu mais de 20 mil pessoas em apenas 15 dias. Atualmente, ocupa 90 metros quadrados na praça de eventos do Mooca Plaza, em São Paulo.
Esse é um ponto-chave: os shoppings precisam buscar novas formas de atrair público e diversificar a audiência. A frequência nos centros comerciais brasileiros ainda não retornou aos níveis anteriores à pandemia. Talvez isso demore a acontecer. Afinal, as pessoas estão diluindo não apenas seus gastos, mas também seu tempo entre diferentes atividades.
Um exemplo claro são as salas de cinema. Apesar de ainda funcionarem como âncoras importantes, já não geram o mesmo efeito de antes. Veja os dados da Ancine: em 2019, as 3.478 salas de exibição do País registraram 172,2 milhões de espectadores. Ao final do ano passado, com 3.509 salas em operação, o público caiu para 121 milhões, uma queda de quase 30%. Vale lembrar que a maioria dessas salas está dentro de shoppings.
A Ancar Ivanhoe, uma das maiores redes do Brasil, também decidiu investir em entretenimento proprietário para incrementar fluxo. Para isso, criou a Anima Ancar, unidade dedicada a explorar o negócio. A primeira iniciativa foi o Junga Park, parque temático de aventuras voltado ao público infantil. As duas primeiras unidades foram inauguradas no mês passado: uma no Shopping Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, e outra no Porto Velho Shopping, em Rondônia.
“O Junga Park representa muito mais do que uma nova operação em nosso mix. Ele simboliza a forma como enxergamos o futuro dos shoppings: centros pulsantes de cultura, lazer e conexão emocional com o público”, afirma Paulo Cesar, superintendente da Anima Ancar.
O conceito aposta no entretenimento para toda a família, oferecendo um espaço seguro, divertido e conveniente, em regiões onde há pouca oferta para esse público. E ainda gera receita adicional. O ingresso mais barato custa R$ 64,50 e dá direito à entrada de um adulto e uma criança. O visitante pode sair do parque, circular pelo shopping e voltar depois, uma facilidade pensada para aumentar a integração com as lojas.
Segundo Cecília Ligiéro, diretora de Marketing e Inovação da Ancar Ivanhoe, outros shoppings da rede devem receber o Junga no futuro. O parque se soma a outros espaços proprietários criados pela companhia com nomes inspirados na casa das pessoas: Quintais, Terraços, Varandas. Já são 14 projetos de experiência implantados. A meta é tornar o shopping uma verdadeira extensão do lar.
A Ancar poderia simplesmente locar o espaço e terceirizar a operação, mas preferiu criar uma empresa para isso. “É a primeira vez que a gente interage diretamente com o consumidor final”, comenta Cecília. “Isso permite entender melhor esse cliente, coletar dados. O parque é uma fonte poderosa de aproximação.”
Projetos como o Xdome e o Junga Park sinalizam para onde a indústria de shoppings está caminhando. A Allos aposta alto em outros formatos próprios, como o Taste Lab, seu food hall com operações exclusivas em três unidades: Estação Cuiabá, Shopping Tamboré e NorteShopping. A empresa ainda investe em mais frentes: comprou a Helloo, especializada em retail media, e opera a Karg, de carregadores para carros elétricos instalados no estacionamento dos seus empreendimentos.
Por sua vez, a Ancar lançou o Guardaê, serviço de self storage, cuja primeira unidade funciona no Botafogo Praia Shopping. Podemos incluir nessa lista outras redes, como a Multiplan, que explora centros de convenção e tem também seu parque infantil em shoppings como o BarraShopping Sul (RS), BH Shopping (MG) e ParkJacarepaguá (RJ).
Tudo isso reforça uma percepção que vem ganhando força: o valor de um shopping center não está mais apenas no metro quadrado alugado. Está na capacidade de engajar seus públicos, frequentadores, lojistas, marcas, anunciantes, e ampliar a oferta de produtos e serviços. Esse é o caminho da evolução do modelo de negócio dos shoppings. Quem viver, verá.
Luiz Alberto Marinho é sócio-diretor da Gouvêa Malls.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
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