Entre o sol e a inovação: como os quiosques transformaram o consumo na praia

Os ambulantes de praia fazem parte de uma memória coletiva dos brasileiros. São personagens que carregam o sol no rosto, o sorriso desarmado e a habilidade única de transformar uma simples caminhada na praia em um desfile de sabores, cores e histórias.

Do biscoito Globo ao queijo coalho na brasa, do mate gelado aos picolés com sabores tropicais, esses ambulantes não apenas atendem às necessidades dos banhistas, eles simbolizam as raízes de um microempreendedorismo informal, adaptado à informalidade dos dias ensolarados, onde regras rígidas dão lugar a uma lógica própria. Além disso, representam um microempreendedorismo resiliente que, por décadas, esteve à margem da formalidade, mas que também protagonizou uma transformação que espelha a evolução do foodservice no Brasil.

Essa evolução, que começou de forma tímida em meados dos anos 1980, ganhou força a partir dos anos 1990, quando os primeiros movimentos de modernização dos quiosques começaram a surgir. No Rio de Janeiro, por exemplo, a gestão da Orla Rio, iniciada em 1999, foi um marco na profissionalização desses espaços. A partir daí, os quiosques ganharam infraestrutura adequada, investimento em design e cardápios mais robustos, transformando-se em verdadeiros pontos de encontro culturais e gastronômicos. Na região da Barra da Tijuca, quiosques como o Barraca do Pepê passaram a ser referências ao aliarem o espírito praiano a um menu sofisticado, atendendo tanto aos moradores locais quanto aos turistas.

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Essa jornada reflete um movimento maior que vem acontecendo no foodservice no Brasil: a profissionalização de estruturas antes vistas como informais e até mesmo rudimentares.

Nos anos 2000, a mudança se consolidou como parte de um movimento nacional, com destaque para o Nordeste. Em capitais como Fortaleza e Salvador, iniciativas organizadas começaram a transformar barracas improvisadas em estruturas modernas, que hoje atraem milhares de turistas. Barracas da Praia do Futuro, como a Crocobeach, mostram a grandiosidade dessa transição, levando para a beira-mar opções que vão de frutos do mar frescos à alta coquetelaria. Isso, sem abrir mão, da hospitalidade característica do Nordeste, que é mundialmente famosa.

Internacionalmente, movimentos semelhantes guardam paralelos com a evolução brasileira, mas com toques próprios de cada cultura. No Mediterrâneo, a profissionalização da oferta alimentícia à beira-mar começou nos anos 1970 e 1980, com países como França, Grécia e Itália transformando o que antes eram pequenas cabanas de pescadores em destinos premium. Na cidade de Saint-Tropez, na Côte d’Azur, por exemplo, o beach club Club 55, fundado em 1955, foi reinventado ao longo das décadas, tornando-se um ícone de luxo e um destino procurado por celebridades. Na costa grega, especialmente nas ilhas de Mykonos e Santorini, as “tavernas” à beira-mar começaram a investir em design arquitetônico contemporâneo e menus assinados por chefs renomados já na década de 2000, estabelecendo um padrão para o turismo de alto padrão.

Enquanto isso, nos Estados Unidos, as clássicas barracas de praia, conhecidas como “beach shacks”, passaram por uma transformação mais discreta, mas não menos significativa. Com um olhar voltado para a sustentabilidade, locais como o The Lobster Shack, no Maine, e o Malibu Farm, na Califórnia, se destacaram, especialmente a partir de 2010, apostando em cadeias curtas de fornecedores, ingredientes frescos e experiências gastronômicas que conectam o consumidor aos sabores locais. Vale destacar que, mesmo modernizados, esses estabelecimentos mantiveram o charme descontraído, preservando sua essência cultural.

De volta ao Brasil, é interessante observar como as particularidades regionais influenciam a forma como a evolução acontece. No Norte, especialmente na Ilha de Marajó, quiosques de praia incorporam a riqueza dos ingredientes locais em pratos como o peixe com açaí, uma combinação única do Pará que começou a atrair turistas nos últimos anos. Já no Sul, os litorais do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina viram surgir quiosques planejados para o inverno, com gastronomia que inclui pinhões e vinhos regionais, um exemplo de adaptação à sazonalidade.

Mais recentemente, a partir de 2015, os eixos São Paulo e Rio de Janeiro também passaram a investir em quiosques e bares de praia que exploram conceitos contemporâneos, como saudabilidade e sustentabilidade. Isso pode ser visto em quiosques como o Reserva T.T. Burger, na praia do Leblon, que adaptou o conceito premium para a cultura carioca, oferecendo hambúrgueres autorais e cervejas artesanais, enquanto encara questões ambientais, como a eliminação de plásticos descartáveis.

Por trás dessa evolução estão questões amplas, que vão além do desejo por inovação. A profissionalização das estruturas à beira-mar trouxe melhorias significativas para o turismo e a economia local, mas também gerou desafios, especialmente para os ambulantes individuais, que por décadas representaram a essência dessa cultura, além do sustento de suas famílias. Muitos foram pressionados a competir em um mercado que rapidamente profissionalizou e escalou suas operações, trazendo o questionamento: como equilibrar o progresso com a inclusão?

A inovação no foodservice não pode se restringir apenas ao consumidor final. Governos, investidores e empreendedores precisam atuar como agentes de uma transformação equilibrada, criando políticas públicas que contemplem sustentabilidade ambiental, inclusão econômica e, principalmente, a valorização das nossas tradições culturais. Parcerias entre startups, cooperativas e grandes restaurantes podem possibilitar que ambulantes queiram se profissionalizar sem sacrificar sua autenticidade ou identidade cultural. São nesses espaços híbridos – entre o simples e o sofisticado, o artesanal e o profissional – que o foodservice brasileiro encontra sua maior força.

No México, projetos apoiados por ONGs têm ajudado comunidades costeiras a modernizar seus negócios sem perderem a identidade cultural, enquanto nos Estados Unidos existem startups que conectam pescadores locais diretamente a restaurantes de praia de luxo. No Brasil, iniciativas como o programa do Sebrae para a regularização e capacitação de pequenos empreendedores do litoral vêm proporcionando alternativas viáveis para quem quer se adaptar – sem renunciar à autenticidade.

Olhando para o futuro, é inspirador imaginar o que mais está por vir. Quiosques conectados, experiências imersivas à beira-mar feitas com o uso de realidade aumentada, cardápios baseados em estudos de biohacking e soluções que unem tecnologia, saudabilidade e sustentabilidade para redefinir o consumo consciente à beira-mar. Não há como negar: nosso litoral será tanto palco quanto protagonista de transformações que estão começando a surgir.

Um excelente exemplo disso é a zona reurbanizada de Santos, em São Paulo, que, além de modernizar seus quiosques, integrou ciclovias, estruturas esportivas e acesso digital, conectando tradição e inovação de forma prática.

Da informalidade calorosa dos ambulantes ao glamour sofisticado dos quiosques profissionais, a trajetória do foodservice à beira-mar é marcada por transformações contínuas, com raízes que nos convidam a olhar para o futuro sem esquecer nossa história. Cada quiosque modernizado e cada ambulante que reinventa o cardápio é a prova de que, no encontro entre o sol e a areia, o Brasil continua mostrando ao mundo sua criatividade única e inimitável, e reforça que o espírito humano é, ainda, o maior ingrediente de todos.

Avante!

Cristina Souza é cofundadora e CEO da Tanjerin.
*Este texto reproduz a opinião do autor e não reflete necessariamente o posicionamento da Mercado&Consumo.
Imagem: Envato

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